sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

corpototal 2



(pintura de colin middleton, "girl with a sunflower", s/d)


o breve corpo que nos separa o oceano ou a prata
contra a terra batida no sangue, por um corredor
de paz onde a pele estica, neste chão, dobra o corpo
contra o meu, no túnel por onde ainda não passam os
gemidos das palavras, um felino, queres outras, vou
caminhando cego com os olhos nos pés, não há ruínas
hoje na minha memória, eis o mar do pêlo escuro, ri
com as obras novas do corpo incendiado, os seios escuros
os cones de natas, o fogo da moça amada, o dia é cheio
de águas e águias transparentes, traz o breviário, vamos

José Gil

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Corpototal 1



(pintura de yoakim bélanger, "l'espace humain III", s/d)


uma lira na lua guarda o corpo amado
e dança perto das grandes chuvas, dança

a sereia transforma-se negra do palácio

lhe aceno, sobe a figueira, sobe alto o povo
se abeira e as janelas são poucas, nem um grito
nem uma respiração a moça preta linda linda
sobe a cova da mora e ainda os cones espreitam
os sorrisos da sombra ela avança na caneta
transparente do poeta, brilha o corpo, salta o leite

José Gil

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

como se chama este poema 26



(pintura de eugène louis boudin, "le havre, le bassin du commerce", 1891)


Partir, parte a crosta da pátria

“mãe vim só para te ver a vela"
a noite vela por todos os barcos
e na sua alma guarda o outono
que não tem volta
de oculta este inverno tem mais
pobres que folhas na malha branca
levamos a correr “cidade minha”
bosque meu “louvo (…) a nascida
no morro Cara de Cão [1]” o silêncio é
peso de Deus

a lesma e o muro descem na barba rala
do poema no poente ao dragoeiro
entre azinheiras bichosas que a terra
recebe e as árvores nascem transparentes

José Gil

[1] Manuel Bandeira

como se chama este poema 25



(pintura de paul césar helleu, "portrait of a young woman", s/d)


amo-te das flores de amendoeira do
terraço da minha escola
amo-te no vasto branco, a crise das
luzes e das imagens
dos blocos de cal na lanterna mágica
de Siza Vieira
uma escola em forma de veleiro,
estilo de vida de um lápis
em intuição abstracta, imagiologia, o
absolutismo do real

"sinto muito" a clareza do estilo que
regula a circular
estanque a circular do circulo
luminoso que estingue o astro
que regula a última circular e tudo
contradiz em circulo de ópera
violoncelos, violinos, palavras
sonoras como imagens
ilhas, ilhotas, atóis, muralhas de
lava, namorados

José Gil

domingo, 22 de fevereiro de 2009

como se chama este poema 24



(fotografia de kenro izu, "#1155B", s/d)


abre-se a porta de alconchel, à espera da água

a história dessa figura nebulosa, era o momento em que ela
sem olhos e com a face no teu colo decide cobrir o altar de
pedra branca – um pelicano – o viajante entre a pele e a
textura da pele, um agudo gemido feminino e felino arcaizante

“Alentejo não tem sombra / senão a que vem do céu” [1]

linda romeira, a saia levava em cerâmica pífia na planura
na atracção da superfície numa escadaria de sol, rente às veias
escrita de atenuada por montículos irregulares dos teus seios
no vasto lençol de água o povo uniu as pernas num tempo vazio


José Gil


[1] Mário Ventura

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

como se chama este poema 23



(pintura de wilson henry irvine, "lois reading", s/d)


"Certa palavra dorme na sombra.
de um livro raro.
Como desencantá-la?
É a senha da vida
a senha do mundo.
Vou procurá-la..."

CDA.


na linha do horizonte a acidez das palavras perde o esmalte da pele

toca, toca-te onde a carne ganha a febre dos frutos silvestres, que se
passa entre as palavras citadinas e a sua sombra, bebe-me
alguém pensará o teu futuro por ti

é este o pulmão dos insectos.
o voo da carícias.
sopro-te nas pernas neste principio de noite

inextinguível o tronco se alimenta do olhar quente

é aqui meu amor que a seda te envolve do brilho
abres o lugar maior objectividade máxima independência
mais horas na sublimação do mundo próximo êxito junto
centro do umbigo, desde jovem querias ter mais peito
agora o cone cresce no mamilo da língua de leite

digo para dizer este corpo, o meu corpo, o teu corpo

José Gil

como se chama este poema 22



(pintura de leon adolphe auguste belly, "the sinai desert", 1856)


as palavras são conhecidas pelos frutos que criam
“as viagens não existem, são uma ilusão do espirito" (1)

não há vivalma neste poema – uma cerimónia de
silêncio e pausas pesadas e cortantes de frio, o ramo
de flores silvestres fica bem no edredom branco do
teu corpo uma grande golada da “água de sala”
numa vaga de neblina entrando pela janela com um
arco de condor, chega depois tudo é fácil e transparente
como as jarras da sala junto ao vão das sacadas

fica deitada pelas mesas o destino traça o outro lado

o navio parte em direcção a Darwin não te esqueças


José Gil

(1)ROY, Claude - Le Journal des Voyages

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Prendinhas



(travesseiros da Piriquita)


Amigos, li nos vossos mails mesmo agora a ideia de troca de prendas no dia 28 de Fevereiro. Posso concorrer? Como moro na Linha de Sintra, com os Travesseiros da Pastelaria Piriquita - uma dúzia - ou como tenho costela do Algarve, 12 bolos algarvios.

O que acham?

Como poderei inscrever-me com o meu blogue e participar também nos Vossos blogues para as Queijadas e Vinho da Lage, que adoro?

Agradeço a vossa luta contra a info-exclusão promovendo os produtos que os poetas tanto adoram!

Beijos e abraços

José Gil.

Nota de Jorge Vicente:

O desafio inicial estava no blog de Jorge Vicente: Amoralva:

"recebi ontem um interessantíssimo desafio proposto pela poetisa alexandra oliveira: o desafio consiste em sermos "trasteadores" oficiais, o que quer dizer: escolhemos um determinado produto da nossa região e divulgamo-lo aos nossos conhecidos. embora os "trasteadores" oficiais tenham sempre uma empresa por trás, nós poderemos fazer a nossa publicidade, não é? afinal, não somos nós os melhores divulgadores dos produtos da nossa terra?

como se processa esta divulgação? da seguinte maneira:

1º - quem receber o desafio, coloca o seu produto para sorteio no seu blog;
2º - desafia 3 amigos ou bloguistas a fazerem o mesmo;
3º - faz o sorteio no dia 28 de fevereiro e envia o produto a quem ganhar!!!

como é que se entra no sorteio? basta colocar um comentário aqui no meu blog a dizer que quer participar no sorteio!!!! mas vocês podem perguntar: porque é que é 28 de fevereiro? simplesmente porque é o último dia do mês!!! agora, espero arranjar o tempinho para ir comprar o meu presentinho!!!!

em princípio, o meu produto vão ser queijadas de sintra, da SAPA, as verdadeiras, umas das mais antigas da vila mais linda de portugal!!!!!

passo o desafio a mais três pessoas:

- Ana Vicente (Mesa de Luz);
- Lumife;
- arlete piedade.

por isso, joguem e divulguem o que a nossa terra tem de bom!!!

jorge vicente"

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

crash 44



(fotografia de lajos geenen, "the birth of patience", 2002)


o osso do volume na pátria dada, bandeira
de poema em todo o castelo, a celebração da
metáfora fria na garganta que sufoca, a dor no
tempo, tanto tempo de dor, a minha face de pedra
onde as lágrimas cristalizam pedra a pedra na
consciência perfeita, nas espirais do corpo em fogo

dobra-o, dobra a chuva na nuvem de lágrimas do
país cinzento na bandeira molhada, o grande lençol
azul do oceano prata anda passo a passo lento como
o vidro a fazer em fogo dói e dobra e faz e dói e vibra


José Gil

Crash 43



(pintura de henri fantin-latour, "homage to schumann", 1890)


perfídia inexistente a estação, espero o café
no centro do sol da fábrica viva, cruza os
olhos cara vermelha, não digas que as feridas
ainda não estão cicatrizadas – vai directa às cruzes

um palmo acima a dor polissémica e desperta azul
o condenado à errância confirmada à métrica musical
do jogo simbólico dos sons vícios e iniquidades

vai pérfida directa a máquina infernal da inter-
semiótica, na voracidade dos ecos “ os ecos do barroco”
a grande cama branca e larga

José Gil

nota: adaptações livres de TNSJ
e Bretolt Brecht e Agustina Bessa Luís

como se chama este poema 21



(pintura de frederick s. batcheller, "morning glories and urn", s/d)


fecha com o coração as pernas
a fábrica amarela da pólvora,
passa para lá do amarelo o passo

estamos em fevereiro de flores de
amendoeira, tertúlia no eixo do mês
no centro da flor como o pólen, sábado
onde encontras a lua – sua poeta onde
já nada te espera pela lua naval no
arco–íris da liberdade

José Gil

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

como se chama este poema 20



(pintura de joaquín torres garcía, "estructura animista", 1933)


"Torres-Garcia - Uma torre branca,
negra, cinzenta, azul cobalto,
vermelho, terra, escadas e relógio,
um mundo severo e alegre um
mundo onde entrei em 1929
e onde ainda hoje continuo a morar"

M. Helena Veira da Silva
in Catálogo exposição 1975

onde estão os nossos afectos, eu queria crescer
pelo menos a reconstrução da flor do eu
na cicatriz do nosso barco, não falo por retorno
identifico-me com o silêncio do desconforto
vejo porque não é bom ver sempre é como
estar zangado. ver apenas. olho através do vidro
e erro cada vez mais no amor cor de rosa
intermitente, nos primeiros dias em cristal azul

falamos no namoro só de coisas quando
éramos pequeninos, estou apaixonado e falo
vezes de mais. olho através do deserto, deixo de ver
nos percursos alternativos - uvas rosas - entre o
o medo e o prazer, quero conhecer-te melhor

engulo, engulo antes do crash no desenho da
guerra, uma torre cor de cobalto, sombra

José Gil

como se chama este poema 19



(obra de nancy kienholz, "hip hop", 2008)


carne e pedra a maior claridade
a luz que brota da sombra, a ar
rebatada mulher que salta da
janela, o sabor Pop/Rock proj
jecto de costela eléctrica até ja
zz até crash ir e voltar o que D
eus fez ou faz onde visto esse a
mor de antigo navegante esgot
ado por dentro de ti me ajoelho
relâmpago de língua negra ani
mal possante é uma grande ou
sadia flor de pinho – o teu casu
lo és já a língua da língua na
branca açucena serás sempre ne
sta manhã as pessoas não anda
ram, continuam dormindo tod
as em sonhos únicos, a romã a
tua ficou só como a beleza de u
m calendário e o comboio vazio
de ir ao céu, tenho o tamanho d
o mar equestre de uma só luz
inacabável, deita a tua espera vi
bro no adro da taberna a aldeia
a olaria dos desejos, o pé escut
a na noite o silêncio a árvo re pe
netra o oceano do beijo ancorado
há tons proibidos na fotografia. d
pende da inclinação dos olhos e
dos olhos e das flores do sol, a es
piga, o tasquófo a luz que brota

José Gil

crash 42



(pintura de alfred stevens, "baigneurs et bateaux à voile", s/d)


o meu corpo nú atravessa a praia
é um sinal de cavalo marinho
pedra sobre pedra onde o corpo avança.

vamos. as cerejas estão no
outro lado do mar – canta – o mar do
outro lado da mão de terra firme
voaremos juntos neste cavalo junto
às uvas – amor por dentro do corpo

José Gil

como se chama este poema 18: sol rompendo o teu corpo nu na onda



(pintura de william etty, "the rose of love", s/d)


aromas maduros gritam de teus poros

lua brava solta fria de madrugada o
sol rompendo o teu corpo nu na onda
nua do cavalo – és do mar – és da sede

o desejo do lume apagado nasceu dos
lábios em língua de prata – és quadrúpede
na minha fome equestre. tu que provaste
a flor de pinho – és o cascalho sensível e azul
sobre a pedra límpida e viva – nas pontas
da estela-mãe desapareces como os
flamingos nos lagos, voa hoje comigo
na aresta do sol saberemos erguer a rede
e quebrar a solidão

José Gil

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

como se chama este poema 17



(pintura de george z. constant, "elaine", s/d(


traz amor o corpo moreno, onde a árvore nua
ganha o ramo e o ritmo do vento no verde

olha mais a terra e menos o mar, a areia
nua sobe aos olhos, em segredos como pele
de cobra negra deslizante onde a vida
retoma o seu ritmo verde, desliza o amor
doce de frutos silvestres como os pássaros
que voam à tua volta e do tronco deste
poema vivo na natureza e na essência do
amor límpido e claro da cidade nua

josé gil

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Crash 41



(pintura de alexej jawlensky, "meditation: der zärtliche eingeborene - januar 1935, N.45", 1935)


Volta no vento da avenida em rotunda
os seios rodam contigo e as ancas

Rodopia a saia na rotunda ao vento
esta é a casa aberta aos homens

No sol voa a indústria da cal
o moinho das salinas espera-te
na ultima lágrima na neve

Não deites o teu sal na estrada
voa com ela um dia saberás
como se chama o poente novo
o massacre das penas perdidas
o sonho claro da tua face nas
minhas mãos, beijo-te de novo

no vento da avenida em rotunda

José Gil

como se chama este poema 16: mural do sol



(pintura de paul signac, "Paris. La Seine au Pont des Arts", circa 1925)


O coração dá o impulso
nas asas do sol
o dilema da residência

Esconde os segredos do sol
não sei como te escrever
a casa é pequena ao pé de ti

O sol além das ruas estreitas
vai vendo respirar o arvoredo

Poema escrito na parede ao sol
onde são transparentes as dores
e os dilemas do sol

José Gil

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

como se chama este poema 15



(fotografia de mark arbeit, "alain bonnefoit A", 2002)


ao meio do canal saio e entro nas estrelas

no colo do horizonte, a tua face no céu,
duas bocas beijadas, o clarão aumenta
a luz cegante do teu labirinto, não fales
apenas ouve o som e o mel na atracção
fundamental do sonho. depois mais nada,
treme o pássaro e o tronco – jamais será
escrita esta explosão junto à renda das meias
brancas o fogo arrepia a noite e o bosque
os seios nus em cones negros e rosa
arrepelados os pêlos do musgo brilhante

José Gil

Crash 40



(fotografia de beth y. edwards, "mireille, toulouse", 2003)


eu sou o sol escondido. deixo as agulhas
no ciber do sumo de laranja e café, a cavalgar
as palavras saltam como éguas saltam da boca
como as ondas – invadem a guardadora das sombras

vultos verdes vivem nas casas que voam das aldeias
numa infinita escuridão. é a grande lisboa em inverno
sem perdão, uma explosão no crash da lassidão em
pedaços de cristal unidos num fio de luz como uma
serpente no seu felino gemido – eis a terra imensa sem
ninguém. nem a fábrica chegará onde a pele segura a carne

bebo a carne das laranjas da memória doce ninguém navega
nas válvulas do coração só a pedra e a lama, só a folha
escondida no sal, chama passa, chama o fundo da terra
respira o dom de Deus na montanha da cibercultura rota

José Gil

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Crash 39



(fotografia de bill armstrong, "untitled (renaissance #1014)", 2006)


Dança a palavra em movimento no eixo central da emoção

Um corpo seguro à barra dois pontos, um segredo guardado
no palco. Quem começa. Quem avança, vamos boneca azul
há uma história em cada poema, um curte claro para abrir
o beco – procura uma visão para interiores onde nos encontramos

“As ruas dos nossos lugares” como o ventre certo naquele dia
a poesia é tão sub-urbana como o autocarro 750, atravessa a
cidade rápido, voa a mesma barra segura para o corpo

Transporto o chá de jasmim da alma leve

José Gil

como se chama o poema 14



(fotografia de mikhail baryshnikov, "untitled #16 from the series, dominican moves", 2006)


Quem não dorme segura nas folhas do orvalho
apenas dança e movimento, uso o corpo
no poema como a génese ,um estímulo de
relação com o espaço - “alma grande” a do actor

o poema é monitorizado como uma arte performativa
dar voz ás palavras” nas veias curtas e na paz da pele

sinto a tua carne, o roteiro do poema muda de plano
nem o retiro no Convento o altera “Camões é um poeta
rap – as palavras ao som do Hip Hop” uma aventura
epidérmica como subir o elevador até ao bairro

José Gil

sábado, 7 de fevereiro de 2009

como se chama este poema 12



(fotografia de mario cravo neto, "homem com lagrimas de passaro", 1992)


caçadores colectores abrem as palavras
os sentidos variam no teu batuque, pausa

os animais aproximam-se a floresta é
muito densa, abro-te um pouco, onde ficam
os lábios, escorrem nos colectores o leite
vizinho do lençol branco como anjos

saberei ainda voar para lá do que o chão limita
os cristais das palavras bem como os caçadores

guarda a força para outros ventos,segura-te

José Gil

como se chama o poema 11



(fotografia de mario cravo neto, "voodoo child", 1992)


dói o que o silêncio rói com flores lilases
de sal – rente à terra branca da cal e da vida

a memória dói onde o vento toca, dói devagar
a brisa, e nada mais é nada – a árvore
segura-se à outra árvore e todos choramos

“desenhos para a mole de Turim”[1], uma última
história em bordados leves como um desafio

sigo-te por outros campos, o dos seios e da anca
como conquistar o outro lado da palavra

experimento o outro lado do baile e rezo

José Gil

[1] ANTONIELI, A.(1879) in MASSIRONI, Manfredo Ver pelo Desenho EDIÇÕES 70, Lisboa, p. 193


José Gil

Crash 38



(fotografia de manuel alvarez bravo, "la buena fama durmiendo", 1939)


evolui a televisão como ondas de choque na base

em portugal movimentos mediáticos, uns contra os
outros como tudo é a base dos teus mamilos em
pleno centro do caminho, a luta pelo prazer nos lábios

rodeio-te no convento, ainda não sei como voas

a pele segura ao corpo, toco, a pele liberta-se de Deus,
nunca saberás o percurso do seio ao joelho, vibra
toco-me na pedra fina da carne cor de rosa cinza

procuro ainda os teus joelhos negros, entre as paliçadas
toca a cana pelo sopro, nos lábios a música, toca a
flauta e salta e ao vento tudo se ergue veloz e azul

envolvemos o teu texto com os lápis na mão, onde
mais ninguém chega na mesa redonda, rotativa

José Gil

como se chama o poema 10



(fotografia de debra bloomfield, "oceanscape F-2", 2001)


poderá o vento voar connosco, é sábado
as casas estão quietas, por entre as laranjeiras
em Sevilha o degrau há-de segurar a bota

há um corpo e um eu em cada movimento

sábado frio ao sol parece o som silencioso
não me passou pela cabeça a ave da ideia

degrau a degrau abraças-me tudo no interior
do dia pescando a última visão do sol no mar
como a vida e a morte do cristal da saudade


José Gil

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Como se chama o poema 9: a sociedade pigmaleão



(fotografia de michael kenna, "spider and sacred text", 2001)


cheguei a um estado de surdez selectiva, o poeta
não é um homem mas uma palavra, naturalmente é
o que aprendeu a escrever não importa sobre o quê

abraças-me, devia olhar para o outro lado e combater
o frio – não pergunto nada à paisagem, chegas da
floresta, um dia quando não te espero, fechas a porta

a palavra selectiva do poeta é o verbo, aí vem ele
retiremo-nos, passei de lá para cá e de cá para lá

o doce de abóbora cresce no gelado de domingo
obedeço-vos – não como dono mas como servo

José Gil

Crash 37: Guri



(fotografia de james armstrong, "nature morte", s/d)


que duro a urgência da palavra como profissão
que a preto e branco guri, que noite a aguentar
o sol em bergson onde tudo se revê, apenas a
minha vontade levaram-me no meu ataúde, com a
cara tapada e choveram muitas lágrimas como um
pombo guri, cantai baixinho eu vou, a natureza é tão
subtil não construo a casa evidente, palpita sobre a pele
na caneta dura e urgente que os dedos olham a caneta
dos lábios, amar aqui é amar com sabor a pão e abóbora

voamos rente ao oceano com os frutos recentes e verdes,
chega a fruta com a manhã e todos dançam na terra aberta

a urgência do teu corpo é doce e esconde o outro corpo azul

José Gil

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Crash 36



(fotografia de wolfgang ludes, "ocean", s/d)

amanhece junto ao teu corpo o sol, procura
junto ao lençol teu vulto, regressa a cama
com as cerejas de junho – faz uma manhã
mais longa – um desejo de paz – crash
é o barco do jasmim, recebe-o em terra dedos
abertos na areia, ele vem leve, através da
areia é o horizonte aberto ritmo a ritmo

o crash faz explodir toda a praia em ondas
desordenadas e altas e cinzentas como o mar
morto, a mão morta, o silêncio na glória

compacta a respiração procura-te no lençol
podes bordar em ponto cruz o cão de loiça
e ficar a olhar o longo elemento do meu corpo

José Gil

como se chama o poema 8



(fotografia de michael dweck, "mermaid 12"


vulto vulgar o vivo vento no veludo
onde navega o tempo, onde a flor dos
ventos, aberta às janelas - que azul e verde
verde cinzento onde o azul se perdeu na
tua alma, de que marfim é o teu lábio

senta-te e ouve as acácias na preguiça
dos pássaros, cavalos correndo em roda
da tua cintura, só um sentido a estação
do rossio, onde eu dentro de mim, um dia
quando chegar dentro de ti, regressaremos
de mão dada sem aviso às ruas da cidade
velha na nossa terra - o mundo onde teria
tudo, já não vais vulto vivo, fica em veludo.

josé gil

como se chama o poema 7



(fotografia de ralph gibson, "nude with feather", 1974)


Vivam as gaivotas da terra e do céu, dormem redondas
enroladas do frio como nós, os casacos de penas brancas
a preguiça das gaivotas no céu, um espasmo planando

mergulhas apenas no ar aberto pela chuva intensa da
manhã – mais nada – apenas o eco do seu grito nas ruas
da baixa, voam vivas no Terreiro do Paço durante a polpa
do beijo intenso, partem com os cacilheiros lentos e lindos

José Gil

Crash 35



(fotografia de meng minsheng, "doll-white hair girl - dachun takes xi'er out of the cave", s/d)

Um vulcão no lugar do verso, o pão a arder no fogo

Nada, ou ainda a labareda com a sua língua de dentro
da terra, a face que abre a cabeça do cavalo em flor
apenas o verso, a rua cheia de estátuas cinzentas
tanto mérito em todos os que andam no meio uns
dos outros como caminhantes sem cessar, bronzes
regressemos da várzea com os pés molhados à
tardinha, o sol revela o fogo negro do vulcão

José Gil






José Gil

como se chama o poema 6



(fotografia de jerry uelsmann, "untitled", 1992)


no labirinto sem sombras o corpo novo se levanta
um seio parado dominando a lua na chapa, senta-te
nua junto ás acácias, nenhum som só o nó dos dedos

não te ofereço ainda o lilás do papagaio, estou vendo
as sombras alongadas dos teus cabelos, entre o fundo
e o beco sem o eco do beijo intenso, a linguagem crua

as crianças correm de vermelho no parque azul, bela
natureza para uma linguagem possível, a pedra limpa
o teu corpo dobra sem som nas minas fundas da rede
do dia a dia, sol a sol no ar de madeira, os seios na
janela, o aro amarelo, a cal na parede beijo as folhas

José Gil

Crash 34



(fotografia de al magnus, "enfin libre", s/d)


a escada do labirinto junto ao túnel
a estratificação dos lábios, equilíbrio,
simetria e claridade, os audazes da
teoria do belo ”a arte sobrevoa a ciência,
dá muletas” o teu acrónico familiar crash
cavalo revolto água sofrida habitada

“cabaret Voltaire” o poema dito pelo
bebé “da da” as poucas letras límpidas

josé gil

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

crash 33: televisão



(fotografia de al magnus, "la pose", s/d)

o cimento cinzento e harmónico do animal suado
avança com as patas pesadas da besta faminta:
esmagam, acordam como vampiros o espectador que
constitui a televisão. como o caracol real ao
lado do caracol chinês, vítima branca e azul
cúmplice, ele cria audiências rápidas de imagens,
abre e fecha o imaginário, espelho meu. o teu seio
verte o mel do verbo, a cobra escreve devagar no rato
“a televisão é a boca do mercado, é a sua fala, a fala
da moeda”(1) para um concerto de oboés e trompas

o animal suado já não anda, corre sem asas da rua
mais fria para o gelo ríspido a água e o leite, o escrito
e o intencionado, o chá escrito de hortelã à deriva na
água quente, a estranheza e a desagregação das
consciências, as marcas da moda vestem a televisão
do que vou vestir a seguir as agruras das folhas de
papel dobradas em mil bocados as memórias e as
histórias concentradas nos traços desenhados das
estradas e dos caminhos por onde passa a árvore
digital, o rectângulo mágico novo membro do
agregado familiar dramático, ela muito elegante
vestida de noiva ocidental ou acidental ele de fraque
ambos malas Louis Vuitton, canetas Mont Blanc, relógios
Rolex. O master Deus da verdade e das pedras
ornamentais e kitsch – a verdade o que ele diz eu
não digo senhor dos detalhes de pão com canela,
o animal constrói dentro da jaula com plasma gigante
uma casota e dorme. Sem o negro branco dos jardins.

A televisão é um café, um restaurante, um infantário
um hospital, um abrigo a televisão é a nossa única
casa mesmo quando desligada e escondida na idade
do armário nas conversas dos colegas e dos vizinhos
“estranha-se e entranha-se” nas redondezas e nas
proxémicas com alteridades de excepção em nome
do interesse global.

Mesmo sem vermos televisão, os vizinhos e os colegas
da mesma flor rosa não falam de mais nada e sentam-se
fardados do único conhecimento assertivo pelo cabo
“Take it,the price is good”. Respiração difícil
antes de dormir. O mar brilhante prata do néon dos
malabaristas, ilusionistas das entrevistas sérias e
politicas que arrebatam aplausos comprados ou
gravados depois de cada manipulação pura e cruel.

Impressiona a destreza e execução fatal destes artistas
alguns muito jovens, contorcionistas, yupis, pirilampos
académicos espalhados por noticiários repetidos e
entrevistas que riscam os vidros transparentes
de nova iorque, as suas mil luzes e o leite
espesso da lua.

sem ter um pensamento paralelo uma coisa fresca
ama-se o que é estrangeiro, não somos desafiados
e perdemos a imaginação, apenas repetimos a chave
e o rio, a sageza do olhar minimal e difuso, ossos de um
oficio vegetativo. o locutor leva muito a sério o que diz
e é sério, eu apenas pretendo ser sério, sentado nas
horas perdidas, nos filmes falsos sobre os pedaços da vida
patológica, os enganos da razão. crash

viro o volante ao contrário e monto aí uma televisão na
minha bicicleta amarela, esqueço até o prazer do vento e
da chuva na face nos walkmans para o meu amor música
de Mahler, Bach, Wagner – resisto aos afectos mediáticos,
sou fiel, choro e escorrego facilmente nos filmes
da minha vida como uma novela sensível e frágil.

a tv incorpora o público cansado e amestrado como
tremoços do real, o quarteto de cordas sensoriais
num espelho deformante. Voo na pesquisa narcísica do
signo como espelho. O fotografado não silencia, é mudo
na sólida estrutura de suporte na mimética humana
da língua adâmica. O aparelho em folheado de madeira
antiga em busca de magnólias. Nenhum pensar agora.

José Gil

(1) Muniz Sodré.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

como se chama o poema - 5



(pintura de georgia o'keefe, "spring tree, nº 2", 1945)


aparecem as luzes na estrada de água
e a árvore cai onde era o seu lugar de
anjo, nada fica no corpo dobrado sobre
as ancas, voamos em locuções de passado
e presente, ninguém nos ouve com os ouvidos
leitura labial onde chegamos face a face, ninguém
nos fala de lado onde renasce a árvore e se negam
as luzes, navego no eixo aberto da terra, no gozo
dos bailes de rua, os cavalos e os carros cada um
na sua direcção de amor, a casa fica aberta, todos
podem entrar no mistério dos candeeiros abertos ao
som do corpo nu, vibra coração de aço e algodão

José Gil

Crash 32



(pintura de mark kostabi, "the mathematics of dreams", 1993)


durmo sobre a pagina. mais branco que a folha
escrevo no castelo humilde, no seu sótão bem
alto quase na cobertura deste céu baixo, o bicho
vem por fora onde já ninguém escreve, o choro
claro, a saber o sabor de cada gota, chove por dentro
da minha face, nasce um barco redondo no meu
coração. Treme o arco do corpo no ar, já ninguém
fala, o vento abre-me o cabelo na rua redonda do
marquês, o grande sopro abre o Rato pela planície
correcta onde em ondas o poema corre a estrela

José Gil

Crash 31



(pintura de ernst fuchs, "nymphe grammophon", s/d)


que maravilha de tons ao tempo parado
entre o soalho e a pele, entre a pele e a
parede, o corpo negro em penumbra de
pele alvoraçada, um dia numa fotografia
pêlos por todo o lado onde chego e dizes:
vem e eu já sinto os seios em fumo, arde
a tarde, muita chuva aí, cor de rosa, veludo
vermelho, cor de rosa claro sobre os rios -
de que dores maduras se espremeu - que corre
agora em toda a cidade num remoinho desatinado

José Gil