quinta-feira, 27 de agosto de 2009

corpotal 18



(impressão de caio fonseca, "three string etching, giallo", s/d)


violeta no violeta, escrevi na tua parede,
saltam-te os seios negros claros
sem sombra na parede,
eu sou o animal que procura Deus no teu umbigo.

sorris por desacato, o sol no sono no solo
como um beijo
que me vai iluminar. onde canta a luz?
quem somos para lá das palavras e dos poemas
pobres peregrinos habitáveis
à luz fria do pó rosa pêssego

o que me darias por uma mesa longa
que beijo procuras no sonho
nua como um pássaro cego em direcção
à casa negra, quase a perder
o voo

josé gil

eu subirei os degraus do oceano



(impresão de helen frankenthaler, "soho dreams", 1987)


ao Miguel

eu subirei os degraus do oceano onde crescem os teus cogumelos rosa
e o violeta, a cereja cor de vinho / opera, tingirá as nossas mãos
devagar, tudo vermelho e negro entre as ondas
e o teu corpo e os barcos lilases como a piedade e a cruz rubra do teu olhar,
perde-se tudo onde se navega
à vista – ficará o meu amor a boiar nas minhas ancas bem seguras e as algas
roxas aprenderão a amar e alguns violetas se fecharão em tristezas com esse
dia a dia de viver tristes dos encarnados. alguns estarão assobiando em suas
portas ao passar na avenida do mar eu cantarei a tua janela de persianas rosa na casa rubra o que caracteriza o teu quarto. Vê amor o sol que nasce no teu coral no urdir deste tempo, respira, ouve as flores da paz, os gigantes da serra no fundo do oceano como um bosque, eu amo-te dolorosamente na linha da distância

só sei que Dezembro nasce no fundo das ondas onde se desenha o sexo com pequenos búzios redondos de casta amora e brilhantes com mentol e chocolate rosa quente.

José Gil

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

acreideas



(impressão de ja-hyun koo, "at the creation I, blue", 1996)


La langage poétique est une écoute.
La lecture et la poétique sont
l'écoute de cette écoute."

(H. Méshonnic, Pour la Poétique II)


as borboletas vivem nas dobras azuis de Maio
um bando deserto tem o brilho eficaz do luar
o que nos povoa de palavras entre os braços

pégaso o branco no teu colo na serra do marão
as asas dos abraços alados, as éguas e os cavalos.

estou em Lisboa, vou onde a poesia é diária
no canto chão, os acreideos zumbem á volta
os rituais da poesia e da espiritualidade, escrevo-te
no monte quando o dia despertar azul
da cabeça da sílaba tónica, e não escuto

a liberdade é irmã da harmonia, sopro em
vertigens abstractas, já vi a escuridão e estou
salvo no sono imóvel da bailarina na margem do
douro com seus cones negros fluindo no sopro

a noite é longa e acumulo sílabas, vejo os camponeses
entre as espigas e as sementes, abrem-se as arcas
antigas e somos apenas irmãos das novas fontes.

josé gil

domingo, 16 de agosto de 2009

vã fragilidade



(fotografia de valérie jouve, "sans titre (les personnages avec richard serra)", 2008-2009)


Sobre poemas de Teixeira de Pascoaes

(ao Félix e ao Jamor)


A vã fragilidade, vejo tudo em incêndio bravo
Como o ferro que me percorre a coluna.

Ó dor de ter músculos à sua volta que eu
Sobreviva ao que tem fim de claridade e
Se renove de outro modo e sofrimento
Nimbadas de piedade sob o mundo o meu voo
É diário e imortal para o sol. bato a pedra
toco o brasil que amo, no calor da vã
viagem ao centro da claridade, nossa senhora
da luz, o incêndio sagrado e celta na aldeia
campeã junto ao ribeiro sempre em ferro, a cama
e a mesa, espero-te amor junto a esplanada em flor

José Gil

amarante dois



(escultura de dominique blais, "sans titre (melancholia) #2", 2008)


Poemas sobre poemas e prosa de Teixeira de Pascoaes

ao Gonçalo e ao Jorge

todos falamos deliciosamente ao telemóvel, íntimo
no hall dos hipermercados, cheios de uma importância
dominadora como se fossemos os inventores daquele
aparelho "valemos todo o oiro da Califórnia" como um
beijo de luz na alma e eis o teu peito rés espelho quente

"os animais são como circunferências do lago" rodam-te
as pernas em desequilíbrio, a vida é só alma, aparição
perpétua luta, S.Paulo escreveu " Ai de mim, que não faço
o bem que quero, e faço o mal que não quero" imaginar
é apenas ouvir ao longe"(...) "a poesia é a ciência do remoto"
como a estrela sirius a fonte das lágrimas

"A pena é irmã da enxada
a página dum livro é terra semeada" (1)

viverei a harmonia em pleno caos no meio
dos instintos mais ferozes - São João Gatão
ficaria pelo oficio do poeta - a bondade e a beleza

a construção do homem é mais que uma onda

José Gil


(1) O Homem Universal livro raro de Teixeira de Pascoaes, Edição Europa - Lisboa, 1933

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

bragança 6



(imagem tirada daqui)


Bragança a grande, por momentos fecha os
olhos enternecida, o
amor perfeito no colo
e dentro da minha alma cerejas e ginjas
vermelhas como brincos de príncipe e princesa

Lisboa, a grande, por momentos fecha os
ouvidos em Agualva/Cacém/Algueirão
CREL de todos os contentamentos
No Eleven das pernas lavadas em creme

Bebe-me cidade dura no parapeito das flores
De Abrantes a Santarém a terra recuperada
para entrar onde o espaço é nulo e azul

descobre amor ainda outro lugar onde o
Mar seja Mar e a lua se encante no teu colo
Ouve ainda as ondas no limite da areia

José Gil

bragança 5



(fotografia de david drebin, "capri", 2008)


Na palavra latina fingere, os significados de “plasmar, modelar”
e de “imaginar, representar, inventar”
(isto é, “modelar com fantasia”)
podem assumir matizes que vão até ao
“dizer falsamente”, ou seja, até ao conceito de “mentira”...”

bato a pedra na pedra e na neve
como um osso no chão aberto
toco a fissura onde a palavra
nasce ao arrepio da corrente

bato a pedra na cabeça onde o
osso dói a esperança, a cidade
brilha onde humedece o rio
quem caminha na muralha?

só as ancas ao parapeito das
flores onde fica a janela mais
fina, aço cinza sobre a testa

é este o reino das pedras, das
carícias ao sabor do vento de
quem corta o rosto e avança

José Gil

mar



(fotografia de trent parke, "untitled #10 - the seventh wave", 2000)


Poema sobre o poema S. Pedro de Moel (2002) de Constantino Alves, Jorge Vicente (Don Lackewood) (1) e eu.

Dedico o poema re-escrito aos dois camaradas deste poema a 6 mãos




“If someone reports
Something that seems
Crazy listen to him openly”
Peter Elbow,

Writing without teachers



Abre-te mar! Qual pauta de música?
Qual ópera? Pára silêncio metálico, junto á praia.
Abre-te mar, água imensa e ambiente sonoro
Canta rap e bate como a onda
Letra a letra, o rugir dos dentes entre a língua e os lábios carnudos

Abre-te Mar, ao espectáculo do sol
Pauta de sal na muralha
Três poetas andando
Pretinha a sambar na areia
Decorada de missangas
Catedral oca e sensual
Um poema feito de pedaços

Este Mar só tem boca
Em basalto
Ressequido e
monumental

José Gil

[1] In livro www.3poetasemleiria.pt

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

bragança 4



(fotografia de broeke rutger ten, "aaron's leap", 1982)


“A imaginação é mais importante do que o conhecimento.”
Albert Einstein


travo a trave da mesa no copo de vinho
bragança anoitece entre as papoilas, o pó
ainda não chegou tão vermelho como a
dor, entrego-me as sombras dos leitores
sobre o alcatrão da estrada, pela febre de
escrever e contra a fuga, corro, assim
mereço-te sobre as pálpebras cansadas

corri toda a noite nas claras ervas e papoilas
nada separa a fuga da pausa, como quem bebe
na trave dorida da coluna da madrugada

escrevo fugindo à dor, são ossos, a luz da
página a noite pela janela do castelo

José Gil