sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

a fuga da palavra 28

Perfume

(para a minha pretinha mulher, Solange)


as rosas do alcatrão num quente e leve agosto,
inspiração do futuro rumo a um verão refrescante,
a atmosfera da noite para abrir asas e voar

tão jovem é a tua pele, corpo em movimento, estátua
um dedo de conversa, o amor pleno na estrada da agonia
um dia claro e frio, a polpa da vida selvagem

vamos, vais pelo momento do encontro, o dia feliz
a atravessar a terra de barro, as lacunas da rua e do
travesseiro, o corpo rodado por uma hora de perfume 
as ancas relativas à flor do paraíso
uma casa aberta
um tempo novo

atravesso o teu rio claro, o teu umbigo de sangue
a lua nova na montanha, a estrela branca no ar
por um céu magnifico

está frio, um arco de vagabundos, um olhar 
sobre a terra desviada do ventre
onde corre a palavra pela língua
vermelha

José Gil

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

a fuga da palavra 27

(à minha esposa querida, Solange)

dos campos de chá até ti, verde o teu ventre rente às folhas
renova-se a paz dos dedos

Emilia Kamvisi, a grega salvou o bebé Sírio da morte
na ilha de Lesbos, uma das mais bonitas e trágicas da
Europa.

fugiu-lhe uma palavra a Emilia, 85 anos de alimentos e
abafos para os outros por uma causa, está frio, gelo, fome

transversal ao amor como sonhar com este pesadelo,
divina lucidez da acção livre

numa Europa inquinada de revoluções contrárias,
um tempo novo para organizar as ruínas e as rochas
do mar em que te amo. Não é a Sicília, amor, mas podia ser

José Gil

a fuga da palavra 26

Rio das Maçãs

(à minha esposa linda,linda, Solange)

O "rio das maçãs" abre-se junto ao Palácio da Vila,
a ruína humana do Hotel Neto como um nó histórico,
Sintra para correspondência, Rua Conselheiro Segurado,
os prados e os vérgeis que outrora circundavam o hotel
onde Ferreira de Castro escrevia

Fui à Praia Grande em Janeiro do ano passado,
fugi por medo do mar, terá sido o mesmo motivo
da palavra justa

José Gil

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

a fuga da palavra 25

(à minha mulher linda e jovem sempre, Solange)

quem sabe o fogo das rosas no teu peito de madrugada
só os Deuses do trigo e da aveia, os cozinheiros da carne
bem passada dentro do folar de festas na tua aldeia

vibra por um suco de maracujá e um pouco de bola quente
do carvão da noite no forno das tuas ancas brancas

despenteia todos esses cabelos perdidos no pescoço e nas
pernas por uma ascensão ao rosto dos anjos de Belém

esta é a casa, a fazenda com o teu conventinho, dá os cones,
a boca da princesa e espera o leite virginal da terra

perde os lábios no olhar celestial do príncipe.

José Gil

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

a fuga da palavra 24

(à minha esposa jovem e linda, Solange)


a terra queimada do teu sorriso, dos lábios dela foge
a palavra, uma organização vegetal da sedução
a explosão das rosas na Av. da Liberdade
a caminhada da Graça ao centro da cidade
um olhar histórico em que se perdem os laços,
um dia de sentimentos, negrinha minha no coração
da cozinha, o seu olhar amarelo na fumaça, olhos castanhos
fígados de bacalhau para te cantar o vinho

a cama revoltada de lençóis ao vento, os lugares secretos
da casa como a muralha de S. Jorge
o outro olhar da rua
um marmelo na boca
repartido em quatro,
um dia completo

bebe a água dos lugares de Deus, as fontes da ternura
nos dias felizes do encontro - falta tempo, amor
falta tempo para dizer não e dizer então sim, vamos, vem
para onde voa o cabelo, para onde vai o caminho da verdade

o corpo procura depois o sul da palavra em fuga
tropical lugarejo da tua vida, amado Santiago do Chile

Lisboa, revisto, em Damaia, 2 de Fevereiro 2016

José Gil