terça-feira, 20 de abril de 2010

corpototal 30



(escultura de salvador dalí, "space venus, edition of 12", 1954-1984)


pela noite adentro
trazes os cotovelos
o sol visado entre
as tuas doces pernas
com roda e o seu valor

a cor do teu corpo
deslizado e escuro
onde crescem as raízes

danças a minha cegueira
uma dança nua na praia
avanço no teu corpo
lua nova avanço com uma
mão cheia de areia fina
um movimento errante
e vento negro dalgum vulcão

movimentam os montes das
tuas ancas, espelhos negros
numa luz de surdez. os cegos
encantam-se com os corpos
que conhecem pelo odor e pelo
aroma e tacto, as orquestras de
cegos muito leve o calor
junto ao mar azul e crespo, fica
novamente enlaçado no meu

será que o meu amor
ouve a minha voz tão longe sente
sou a lâmpada, as palavras voam
e só ouvimos os pásaros

José Gil

quarta-feira, 14 de abril de 2010

o beijo



(desenho de marc chagall, "arabian nights, plate 4 - disrobing her with his own hand, the king looked upon her body and saw it as if it were a silver ingot", 1948)


contra o teu corpo, na chuva dos teus beijos
apenas o rio da face das lágrimas. onde
haverá outro beijo, quantos faltam
como o pão do afecto, a sede

trago a casa dos beijos, o seio claro do
palato, a carroça

quantos lábios não se tocam
quantas palavras frias nos
deixam a violência

José Gil

terça-feira, 13 de abril de 2010

corpototal 29



(escultura de terence carr, "holz", s/d)


avanço no penedo sem silêncio
voam os pássaros sobre as rochas
quem diria das terras do demo
outra viagem, quem ousaria outro
caminho

as pedras desenham o além, fogo
disperso sobre as veredas, alguém se
salva na ostra da relva santa do
outeiro

procuro ainda outro lago das tartarugas
bem verdes, outro azul e verde no olhar
tudo fica branco como a pele e o sol abre
o animal

mais ninguém constrói a caverna como
a casa é mais silenciosa em terra o mundo
parou bem frente à janela do meu amor

a paragem

José Gil

domingo, 11 de abril de 2010

voz limpa



(desenho de keith haring, "statue of liberty", 1986)


o meu poema é a minha voz limpa
junto à flor do lis ao lugar em que a
moça arregaça o gato preto

o meu poema é o murmurio da madrugada
desenho como números as ilhas da revolução
clandestina
a colheita foi comum

a liberdade é individual

no outro lado do rio cheguei da casa da exilio
no ginjal hoje nem sei se ainda existe
aí desaparecíamos mascarados de fernando
pessoa e voávamos

José Gil

nuvens



(fotografia de andres serrano, "immersions (rape of the sabine women, I, II, III)", 1990)


o barco das nuvens, todo o traçado da lã
branca, virgem, toda a noite, o azul, o corpo
no sol do céu onde se espera a proximidade
o beijo louco e negro na tapeçaria sensual

casinhas no céu em voo, o lugar da madeira

coze-me a boca no teu cabelo
e vibra

José Gil