terça-feira, 25 de janeiro de 2011

conservatório



(fotografia de silke seybold, "ballroom", s/d, retirada daqui)

sinto no lábio
o fio de azeite
do teu poema
como que vira
o corpo na madeira
bem encerada
só um poema
no conservatório

o instrumento

danças e danças
enquanto se ouve
a sala de canto e
as aulas de piano
quantos elementos
guardamos sobretudo
da dança

um edifício uno
das artes integradas
agora por feridas

vivemos lentos
na cidade, no bairro
sem teatro

José Gil

as abelhas incompletas



(fotografia de michael gray, "reeds ice", s/d", retirada daqui.


um corpo longo na areia
um programa de sentidos
mais do que palavras azuis
o seu mel e as suas abelhas

caminho nas palavras
do teu colo em braille
só de olhos fechados
sente-se com a língua

lê-se vagamente o sol
como ao meio dia

José Gil

domingo, 23 de janeiro de 2011

fado ventinho



(imagem de ana moura num concerto)


à fadista Ana Moura

nem por pensamento a rosa murcha logo que amanhece
nem pelo caminho do pensamento sobe e desce em lisboa
tinha de saber ainda o teu sabor, baila pelas sílabas na boa
do entretenimento dos espantados com real beleza

há ainda as sete colinas, duas das tuas costas nuas
quando me vejo só o que não é sempre coloco
as rosas na estrada e tu chegas sempre como o bloco
onde escrevo sem acabar-se de vestir e mesmo assim esvaindo

o seu juízo, o seu calor, o seu respirar o seu pensamento
sabemos o caminho e sabe-se o caminho por onde
chegamos à casa no meio da cheia, só e somente

vendo-te não descansa o luar à roda do ventinho
canta para mim um fado maior nem por pensamento
só a voz e a cama e o rosto vincado da poesia e do vinho

José Gil

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

corpototal 34



(fotografia de vicky slater, retirada daqui, da série "out of time")


nome e utopia, vibro o tempo de verga de um instante
não bate ainda o coração, apenas uma brisa activa
obscurece o filigrana para ti

entre aranhas desobedece o fogo à mão discreta, um par
quase rumina a moça linda cantando o sol que fica
entre o mar e as pernas

na tua cripta procuro ainda a folha intacta do ar cativo
adormeci no teu colo de aranha, nome e verga clara
o coração cai.

José Gil

roda ao vento



(fotografia de horst p. horst, retirada daqui)


vem amor descansa no meu calor
o tempo é positivo, já não chove
o inverno é longo e as flores
voltam dentro de três meses
ao teu colo de piano de cauda
como Adorno toca e escreve

no moinho descansa o sol, vem
a rua é fria, a carne quente como
a casa dos teus seios sempre à
janela, fecha os olhos e espreguiça
deixa-te espreguiçar – só eu te vejo
vizinha do prédio em frente
na tua camisita que roda ao vento

os apartamentos resumem a praça
há uma grande fusão de silício
este papel pode ter um potencial
de erguer as ondas do som, uma
simples folha que passou a hortelã
do teu corpo em creme gordo
opera no meu colo outra festa de
orquídeas fortes e rápidas

a ciência projecta rapidamente o novo
vou ter que recomeçar num terreno
positivo, ri, solta-te numa agenda
transnacional as flores dos mamilos
há dois novos níveis de volatilidade
espelha dos teus cones negros e rosa
lisa como a pele negra em óleo
suporto os níveis de risco

pára de fazer dormir, olha a minha
estrela preparo o teu boquet como
a neblina da noite à espera que o sol
chegue o meu amor está do outro
mar, todo o mundo me pergunta
do outro lado circula a música
do sangue nas suas pulsações

corre amor eu não sabia como
gostas do vento contra a alegria
do vento, chegarei no fogo da
internet na música popular

querida que a neve não te atrapalhe
no ritmo poético, na melodia na duração
todo o corpo na inserção das minhas
longas pernas evitando os intrusivos
dedos mágicos o essencial é o contacto

José Gil

sábado, 15 de janeiro de 2011

o peso da alma



(fotografia de édouard boubat, "rence sous la neige", 1955


Ri-te, na última lágrima em cristal, ri-te
a terra fica bem arranjada mesmo junto
ao beiral, entrarei no rio gelado, é hoje
a terra roda toda em cada gargalhada

há um fio de azeite para cada corpo
e o café solto, ri-te por dentro onde
só se vê a liberdade do peso da alma

José Gil