terça-feira, 22 de setembro de 2009

michael jackson



(trabalho de russell young, "michael jackson motown records office", 2006)


escrevo-te em silêncio, como um pássaro em voo
as palavras são doadas, como um Deus moço

a ansiedade toma-me vivo e choro nas paredes
da casa, foi por destino do barro cinzento junto
à linha, coração urgente, logo de manhã que
medo e o sol vai dourando o meu coração viu
depois no teu colo negro a cruz, fui ter à mesa o teu
copo de vinho nas tábuas deste meu fado e choro
como uma túlipa junto ao corpo e é de morto o seu
olhar , eu te acompanho sempre da lua e do luar

José Gil

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

crash 55



(pintura de maykel herrera, "good bye", 2008)


a pedra da tardinha para a noite, o sol puro
vira-se a lua para encontrar a sequência
o telhado ainda não foi colocado fica
no rés-do chão com o vento que roda

viva a tardinha fresca, o momento do invento
queria escrever um poema e só sai logo
o aroma do pó da pedra e do alecrim,
muda-me a sorte, muda-me o destino

os monges saltam as pedras junto ao rio
cada poema é uma oração, a vida uma
catedral, fresca a tua nave sobre os seios

interliga o desejo e a fome como o ardor
vivemos onde menos se julga o andar
por terrenos soltos que mudam a viagem


José Gil

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

poema



(pintura de alain de la cruz gonzalez, "independiente", 2008)


Poema



“ Nos campos da sua eterna infância
o poeta passeia sem nada querer esquecer”

não há divisão entre a vida e a poesia

onde os outros pavoneiam a sua obra,
eu apenas desejo transformar-me
num comboio de laranjas de sol
e revelar a prática dos carris de ferro
e o gelo mais duro da solidão picado
pela casa de todos os leitores,
pelas portas que os seus olhos abrem
e pela gratidão doce da sua leitura



josé gil

(retirado do livro fractura possível. edição edium editores: 2008, pg. 140)

domingo, 13 de setembro de 2009

crash 54



(pintura de victor rodriguez, "crumpled model", 2008)


Cheguei para aconchegar os lábios
num troco doloroso e esvaziado

As vértebras coladas dão o sinal da urbe
Na flor da noite o coração e a cabeça
Saltam para as pernas lentas, por um
Deus menino, o próximo negro e branco

Já o vejo correr no limbo da estrada
Tem asas e não perde o oceano, luz

Vem connosco amor como o sol e a cera
Atravessa diurnas de Junho e as festas do
Meio da rua, do meio da lua, ao centro da
Ladeira e da fogueira, cheguei para aconchegar
A mão no cabelo e na face e chorar por cerejas
Mais nada, apenas o afecto dos dedos na tardinha

José Gil

sábado, 12 de setembro de 2009

crash 53



(pintura de sebastian blanck, "isca (profile)", 2007)


driblam os teus olhos os meus no teu nariz
na tua face, os olhos em fogo, facies sedimentar
na classificação dialectal – o teu princípio sempre
a cortesia – e o fio arcaico da navalha branca
na vida real aparece no poema – adora-se, o
narciso esse grão de demência inabsorvível

trazer a literatura à terra e a terra à literatura suada
e vermelha – o rosto sempre sério e negro, sorri então
os teus olhos de um lado para o outro
da face como romãs todo o ano sobre a grande mesa
a sala ao fundo com a vela no corredor infinito
piso rápido os actores elocutórios voam de um poema
épico “lembra-me outro filme e outro livro les enfants
e la pluie d’eté
de Duras”(1) cumplicidades profícuas

eléctrico o professor do poema avança no filme
com lentidão e silêncio na intensidade de cada minuto
estruturas cársicas, varvitos, fomos criados com a água
do tejo, sempre fomos os ciganos do rio, bebemos a sua
água em cada dia e o pão da cantiga leitos claros e escuros

josé gil

(1)Expresso,(2009)Lisboa

domingo, 6 de setembro de 2009

singularidades



(litografia de jim dine, "sun's night glow", 2000)


a Manuel de Oliveira e ao Constantino "Sopa de Massas"



as gaivotas batem as asas sobre as águas
sinto o osso duro de roer a mesa balança

à caneta cheia de pétalas violetas eu vibro
não sei se o sangue azul do pulmão negro

encosto a face ás gaivotas à altura do vento
fresco fico com as mãos abertas para um
ninho – as novas gaivotas gritam no vento do
ventre negro, entra a mulher de cabelo vermelho
nada sente da fresca virtude das suas singularidades
o véu atrás do vazio, numa mínima, minimal canção
minimalista e sensual do vento fresco no calor
da noite o abano e o ranger dos dentes fracos, ouço
a minha barba de trevas na tua face que atravessa
a bola do mundo já estou do outro lado como as
gaivotas atravesso o leque liquido das águias dos oceanos.

aí fica a tua casa amarela e verde com
o coqueiro junto às gaivotas. rezo se o oceano fosse pequenino
com a água a ferver – eu não teria esta cara de sofrimento

o leque de dupla face é um poema como o
ranger dos dentes na dobra do leque vermelho
como as gaivotas que oscilam dentro do texto
e a hortelã fina e o jasmim regressam das
estações doces e finas para acompanhar o estremecer
das gaivotas a sacudir os corpos para ventilar os dias

José Gil