sexta-feira, 27 de outubro de 2017

A fuga da palavra 48


Vespertinas

(à minha esposa linda linda, Solange)


chegou a véspera do grande impedimento do sol
afino a minha inteligência e memória, os flancos
das aves já vão no caminho do Sul

atravessamos o rio para entrar na cidade capital
são oito e trinta, as moças já acordaram para o
caminho da escola, na noite de dia preparam os
sapos na porta de entrada das lojas e restaurantes
por uma grande casa redonda com curvas relatam
os corpos, tudo vestido de preto e rosa como a moda
a cor cinzenta e salmão também inclui a cruz dos profetas,
onde ganhar o rebanho na capital

oh! cabras do meu coração e casa, abertas e vivas para o
andamento do gado de grande porte

vírgula a vírgula circulam-te as ancas por um destino maior
em Agosto teremos as nossas férias no Algarve e Sevilha
faz a oração de vésperas de São Cipriano, um poema de
mandarinas

entra, gazela da Zâmbia, que grande almofada de Deus iluminada
pelo sono profundo a luz vermelha da caça. O mar, o mar dos 
afogamentos hoje, vai de branco a mancha negra, vai ao sol
traz o arroz e um beijo por uma dádiva de segredo.

José Gil
22-2-2016

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

A fuga da palavra 47

o que falta no sábado de um amor correspondido
a proximidade, o olhar visionário dos pássaros,
o mês das alegrias

desejar tudo, o vento todo, o ar, o calor, aí estão
trinta e oito graus, aqui nas montanhas e serras
menos de cinco graus
fugiram as gazelas ainda não eram oito horas
podíamos ir à cachoeira águas livres para a
minha casa
víveres que só há no mato grosso húmido
faz calor na estação das guardas, um país de
afectos, falta por um dia a raiz das árvores da vida
todos os dias queremos descobrir um fundamento 
para as palavras em fuga da língua, dos dias longos e
dos dias curtos das cerejas vermelhas de inverno nas
orelhas decoradas, bebe o fruto e engole a semente,

vamos os dois aos cristais dos ouvidos, o segredo mais
claro, a tonteira, a vertigem na maré impossível do amor
e dos abafos

quero inverter a roda dos dias, da vida, ao invés silencioso
do rodar dos ponteiros do relógio mais perfeito

vibramos por um maracujá vivo na terra das ruas escuras
uma cevada única. E um meia torrada.
Abre, Deus dos árabes, o caminho da esperança
a paz dos irmãos perdidos nos escombros de cidades
por um caminho vermelho, amor
que perfeito coração!

José Gil
21-2-2016

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

A fuga da palavra 46

CASA COMUM

(a meu amor lindo, Solange)
(a Umberto Eco)

o dia corre nas avenidas, doze horas calmas de sábado
é o tempo no alcatrão, a novidade de todos os semestres
na casa comum

faz frio, será a estação das geadas o olhar interior da casa
verde de dois em dois dias, o luar das ancas nas ancas,

escrevo por um café no regresso à Praça, os dias cegos
da perna presa na perna cruzada, o fémur dorido do lugar
a articulação da vida ao ar livre da morte vegetal 

oiço os santos, meu Deus, resigno-me e insisto no movimento,
mais outro movimento, os de perto da caravela das navegações
difíceis, a Índia, o mundo inteiro como eu gostava de conhecer
de mãos dadas contigo, meu amor, serei a tua vela, tu o meu leme
numa rima absurda de um mapa marítimo

estou no Largo Cristovão da Gama, o jardim de um olhar visionário
os pássaros nas árvores, o dia limpo

cheguem os ananases de pele macia, os oregãos sobre a carne
a assar no meu carvão, a taça de vinho, sonhos.

José Gil
20-2-2016

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

A fuga da palavra 45

Renda Bordada à Mão

nasce o dia às sete horas, assim começa o tempo
do sol, na corrida há um eixo, a bacia dolorosa, as cruzes
vamos avançar no corpo dado, a ilustração dos teus
seios na omoplata. frutos vermelhos para endoidar a
terra dos ossos rendilhados, ver a paisagem e em movimento
sofrer

trago a dor nova do encantamento, o justo remendo da
osteoporose  ninguém passa na renda bordada pelo poeta
à mão 

um dia sempre novo no caminho, a zagala negra atravessa o
espaço frio, gela a madrugada em que  o escritor descreve
os percursos

foge-me a palavra como as bolinhas do mercúrio no chão
do laboratório, entra a juventude, as moças, os dedos têm
olhinhos na ponta dos dedos à espera do grande porte
chega então o Elenco Negro, a égua de crina pretinha
a galope, música e poesia épica

Oh! África do meu bairro, minha negritude clara na praia
em saudade da Adraga, muda a maré, eis o tempo indelével
África é tudo, o horizonte do novo mundo

veio atrasada  a gazela do meio da manhã por um tempo
de amar, azul o prazer
sentado

José Gil
19-2-2016

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

A fuga da palavra 44

(a meu amor lindo, Solange)


a égua brava da manhã é para montar rapidamente
a trote traz o vento no silêncio, sozinho avança com
a crista magenta vermelha

traz o trabalho de sedução nos olhos, sorri como
ninguém e avança novamente com olhos amêndoa,
no lugar dos labirintos cavalo de botas

chega ao patamar da casa a floresta antiga, flor nova
e rosa negra quero o amor pela casa, a erva dos estábulos
trago o feijão fresco a pedra e a flor colhida agora no
paraíso da fruta e flores. um dia novo - abre o crânio
perfeito

"gosto de imaginar o tempo como um aliado", esse breve
instante em que te amo à distância como indelével,
em que tenho tempo para escrever
sempre a correr
quase a parar o
tempo

José Gil
18-2-2016

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

A fuga da palavra 43


(à minha pretinha querida, Solange)

chega, ave de fogo do outro lado o oriente
ostenta a tua penugem para quem passa no
largo 

ousa o corpo exemplar e original por um sonho
em Itabira

pergunta por mim aos pássaros que já vou a caminho
no oceano que me une a CDA- Carlos Drumond de Andrade

abre devagar as asas das coxas ao toque dos dedos
ergue o beijo

há ainda uma asa que não voa
do meu, do teu coração

chega, ave pretinha a uma casa de amar
de que é feita a substância da tua pele.

José Gil
17-2-2016

A fuga da palavra 42


ao passar o navio guardo-te como uma planta num copo de água
como flor de lilás ou fruto de maracujá, pretinha por fora vermelha
por dentro 

aveludado toco o teu ventre com as folhas e os dedos para dormir
devagar no teu colo tudo guardo com saudade e sem distância

quem diria Santiago do Chile, a terra prometida, os vinhedos,
o mercado, as praias de Vale Paraíso e Punta del Cana

ao passar o navio aproximam-se os pelicanos das rochas onde
esperas o sol  e as grandes ondas do mar

tive medo de perder-te para a água e aqui estás
ao passar o navio, minha flor.

José Gil
17-02-2016