sábado, 25 de junho de 2011

corpototal 39




(trabalho de richard long, retirado daqui)


o olhar fixo na tábua, o sol ilumina a chave
a tábua voa fixa no eixo da chave diurna
na miragem do sol, tudo gira com o olhar
da janela o sol traz-me a luz das pernas
vou olhar a miragem e perco-me no eixo
sou a tábua cega que voa no prado ao sol
há ainda a janela presa a figura em mãos
abertas, um suspiro do alto do candelabro
o sol voa por dentro da lâmpada e choro
nos teus cones as tuas pernas esguias na
sombra do eixo sob o sol e a tábua – olho

José Gil

quinta-feira, 23 de junho de 2011

um quase epílogo



(fotografia de sharon core, "early american, still life with stripped bass", s/d). retirado daqui.


toco o osso, o braço longo
onde dança a mão, como
um pequeno baile para pessoas
muito pequenas, velho anão da
minha infância dança o tango

ela dança também aos ciúmes
do maior, o girafa, junto da
pequena bravura de um convite

no formo o osso assa como
o braço do pequenino e
todos dançam toda a noite

chega para lá do mármore
cai até que doa a infância

toca a estrada do batom
vermelho e dança ainda
em hortelã o peixe coze
contra as batatas e a
caldeirada onde em cadeiras
pequeninas tudo descansa
e bebe um delicioso sumo
de tomate, a caldeirada
destrói o baile, depois dormem
na cadeira pequena por um
Deus anão e uma janela quente

José Gil

sexta-feira, 17 de junho de 2011

corpototal 38



(fotografia de ryan mcginley, da série "photographs"). retirado daqui.


“A lei que me fala e que me leva
a desobedecer-te é outra;
é a lei segundo a qual
toda a vida humana é sagrada”(1)

beijo-te, são de veludo os teus lábios cereja
sobre o mistério da estrela cadente que vai
perder-se no teu colo de uma vida, repouso
no teu rosto num barco sem porto, é onde
a ligeireza do sacerdócio azul eléctrico desta
árvore selvagem que / onde ninguém sabe onde vai
parar a onda vestida que desenha linhas verdes
franciscana, desfolha-me num jeito de não parar
eu também sou do varejar das cerejas dos teus lábios, vem
onde te quero lavar em leite, para eu cheirar
um leve aroma para poder lembrar o corpo da
tua voz, denso como pedras lisas de tanto esfregar

não sou capaz de estar tão perto e tão fora de ti

José Gil

(1) Goethe - divulgação Teatro da Cornucópia - Postal

terça-feira, 14 de junho de 2011

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(pintura de isabel bigelow, retirada daqui)


“inventa a rua a casa
a gente dentro”

José Félix


escrevo poesia desenhando um território
de flores em sombras de coração vermelho
e romãs em cada dia claro – amo o eco a luz
é a completa nudez no sobrado do quarto frente
à janela na ligeireza das tuas ancas de mistério

cavalga sem pulso, sem respiração, sem gemido
todos olham mas só eu entro, como rumor de
sílabas ruas casas cavalos bravos na escura terra
eu que sou poema verde que ainda salta para a voz
ficam as silhuetas e as sombras onde há o sangue
o ar, sem fantasmas e sons adversos ao rosto azul
bebo o sol, pedra a pedra no desenho das cobras
no chão, apenas chego perto, é como uma língua

José Gil

segunda-feira, 13 de junho de 2011

corpototal 36



(imagem de um filme de cauleen smith, "still from elsewhere" (2010)


“Julgamos que viver era abraçar”
Sofia de Mello Breyner Andresson

“Que cada frase em vez de um habilidoso
disfarce, fosse uma sedução (...) e um acto
sem subterfúgios. Para tanto limpo-a
escrupulosamente de todas as impurezas e ambiguidades”

Miguel Torga



estou aqui onde começa o turbilhão pela densidade do amor
basta os teus cones ao tronco iluminado - único arco doce
sabes: tudo és tudo na espuma das ruas e do centro azul
eu serei o que disserem no rasgão denso de que sou o que
não sossega o corpo soberano – espero o milagre das coisas
uma luminosidade negra vem sempre o brilho da pele no aroma
de mais uma imagem – o que te revela em Dezembro no oceano
sobre as cidades onde libertas a esperança, o sangue e o sol
sei quem és, de onde vens, o teu corpo chega a uma experiência
da magnifica imagem, um volúvel andar rumo ao novo ano
o abraço do rosto que eu adoro, morde ainda os dedos, serei
o palácio incansável mais vagaroso e queimado do verão passado

José Gil

quarta-feira, 8 de junho de 2011

corpototal 35



(pintura de kaye donachie, "tender and gone to seed", 2007)


deixei-me levar lentamente pela ignorância
gostava muito agora de me apaziguar, não
há mais capítulos para abrir nesta casa, tenho
ainda um gato azul, lentamente toco a tua face
choro no lençol do oceano, não és ninguém
para este cântico de lábios de verão quente
ninguém és tu um todo na lucidez da ignorância
cor de cereja amor rosa escuro do meu núcleo
és tudo o que lentamente deixo no lugar da flor
bosque de ausências, não secreto, diferente
adormecendo na arte da palavra amada o que
escrevo nestes dias longos – entre os pássaros

José Gil