terça-feira, 27 de junho de 2017

A fuga da palavra 38

Obscura Luz - Lição de Tango

a Astor Piazzola
à minha esposa linda que tb conhece Carlos Drummond

"O MUNDO É GRANDE

O mundo é grande e cabe
nesta janela sobre o mar.
O mar é grande e cabe
na cama e no colchão de amar.
O amor é grande e cabe
no breve espaço de beijar."
                                                 Carlos Drummond de Andrade

obscura luz a que leio para ouvir a variação
do colchão do amor, é a regra da manhã
devagar dança o tango deitada, oiço os
campos de batalha e sozinha bailas
maçãs cruas na pele, liso leite de burra
no rosto para dar beleza à pretinha branca
de Minas, minério puro sem pó seco para mim
meu luar do grande mundo, dança devagar as
fantasias, o mar é grande, procuro o vocábulo ou
a palavra justa de beijar

fugiu-me manhã cedo pela hora do café, quebra de
pagina e lá vai ela, a vagabunda, dos dias sem sol limpo
escondida nas nuvens negras

vem por momentos um sol claro, o céu por instantes aberto
o suor da noite fria, lê amor, oiço as tuas ancas no relógio à
solta como os cabelos à chuva, um lugar para cantar os teus olhos

lição de Tango para dois corpos nus e sapatos brilhantes de verniz
avanças cozinheira de fantasias de carvão, complexo eixo
norte-sul, uma Deusa Guerreira contra um piolho da água estagnada
do vento, azeite puro, cabeça pequena

quantas ondas tem o oceano do colchão de amar? vamos, vamos
abrilhantar as ondas do teu corpo

vou aquecendo o coração até Agosto, não se pode deixar esfriar a terra
do amor vivo - corpo sobre o nu lençol de linho, a casa nova, o xadrez
jovem da saia em xadrez verde e branco, plissada, só com uma prega
baton vermelho no lugar sensato, baloiça a porta ao som de Piazzola
é o Chile em saudade

mão que segura o império, bastão real, fica com a marca dos lábios
violento tocar da loiça antiga.

José Gil
14-2-2016

quinta-feira, 8 de junho de 2017

A fuga da palavra 37

Fregueses

(à minha pretinha linda, Solange)

estou a escrever na freguesia de Águas Livres
a minha memória próxima, a minha casa aberta
intercontinental - o comboio na estação da Damaia,

marcho no trilho dos fregueses que recuperam
a esperança por descobrir no jardim, no meio
da floresta de prédios e barracas

avanço cedo às sete horas pelo escuro para preparar
os músculos vegetais do teu corpo, é o rosto mais
claro que amo até aos seios fartos que seguro

chuva de sentimentos aí no verão de Itabira

como o queque e bebo a bica por um dia acordado
e assertivo, a fome de pele, vibra devagar o teu lugar
por mais um dia de sol em Minas
aqui chove, é Fevereiro

chegam as flores primárias é o sinal do andar das horas
sem relógio, perco o meu olhar no teu, sei que não és
tu que hoje entras na porta com o teu amor matinal

chegou o malmequer, cintura fina, olhos castanhos

procuro no teu ventre o luar,  amor, na lua fotogénica
entre as almas. gosto tanto do teu sorriso, vem como
o amor perfeito junto da rosa negra, o cravo e a geringonça

vem na manhã de Agosto no Aeroporto General Humberto 
Delgado para chegares onde se mata a saudade e se constrói
o dia feliz, memorial centenário, espectacular como a
tangerina das vindimas.
 
José Gil