quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Mãe 9


(ao José Dias Egipto)


Mãe é sempre a noite que temos mais medo como quem
apanha amoras e folhas de amoreira na Av.Grão Vasco
não passa ninguém, não há ruído mas tudo é frio e solitário
como te explicar o desemprego a crescer na nossa mátria
mãe – há senhores que guardam relíquias de outro tempo
é o primeiro de Maio estamos livres mãe e temos medo
as casas não se iluminam e a música é alta e clássica
 
mãe temos que ser eruditos, falar das calçadas do sol
ao rato e procurar outros sonhos para esta noite branca
Lisboa só começa dentro de cinco horas em ponto
O bicho da seda é um monstro  quando crescemos e o
Casulo não é o que desejamos muito menos a borboleta
Dos poemas esse ritmo de imagens em ruptura umas
Com as outras no corpo interior sem espelhos
 
 
 
 
José Gil


quarta-feira, 30 de julho de 2014

Mãe 8

Nem o azul vento do oceano
Nem o portinho abrigado de Armação
Te dirão quanto te admiro
 
O vento corre na turbulência da
esplanada da Nilo, entre a razão e a
leveza do café e da empada, há outros
caminhos azuis do Portinho a Portimão
 
Traz o pão de Santana da Serra e Monchique
Podemos tomar o chá de tília ao 1º de Maio
 
A casa ficará sempre iluminada pelo pai
 
Nem o azul da sua ausência, nem o oceano da sua
Presença, te dirão novos poemas
 
José Gil

sábado, 12 de julho de 2014

Mãe 7

Podemos falar de uma romã como um mãe que se guarda
entre as ondas do oceano e a casa nova no bairro velho
um jardim de figueira e amendoeira em flor
os figos novos
 
as novas palavras no mar ao fundo onde nasce o sol
conheci minha mãe sempre grávida somos nove em escadinha
como a capela da fortaleza e uma coragem de árvore de fruto
 
uma onda de romãs sobre o mar-chão os olhos verdes
 
a praia ao fundo onde crescemos com algumas rochas
 
percursos muito difíceis de lutar com antigamente
 
a maior parte das pessoas não conheceram as quinze  mil que foram
presas políticas em Portugal ao sul da Europa e da crise
na brutalidade dos anos sessenta e setenta
 
vivíamos de falsas notícias e de invejas
teremos o instinto, mãe, de não voltar atrás 
 
oceano vital de sumo de romãs entre letras vivas de coragem   
 
José Gil

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Mãe 6

Ainda não escrevi a casa e a figueira
como um poema ás costas das janelas
uma porta junto à cozinha e um mundo
parado, no caos das cidades desesperado
o silêncio atravessa as ruas sem ninguém
 
 
quem vê a casa, o sol e os carros
sem passeios o vinho Alvarinho
dos melhores lados de Melgaço
 
ficamos os dois a olhar o mundo
entre as letras e o cultivo
das castas bem longe de benfica
 
José Gil

domingo, 15 de junho de 2014

Mãe 4

 
um lugar de rosto nesta esplanada
o sol ao vento frio, muito sol de
palavras afectas a vida e ao sonho
 
um lugar na praia do rosto desta igreja
vai já aí é domingo e falta o café
a uma europa que não nos ouve como mel
 
acredito nas respostas em cinco segundos
quando se estende a mão por um pedido
há fome nas interrogações pelo pais
 
mãe já houve outro tempo  em que a alegria
conhecia o rosto da esplanada do sol
 
bem junto ao rio num veleiro de justiça
um lugar de esperança sem divida

José Gil

terça-feira, 10 de junho de 2014

Mãe 5

Que nos espera mãe do outro lado do mar
Frente a praia não sei se sou escrito se escrevo
Um caminho revolucionário quase divino
Na água somos outros os corpos vão e vêem
De um lado para o outro sem pobreza cristalina
Cada pobre dos mais pobres hoje em Portugal
uma bandeira das mães em súplica celestial
Tu és a figueira eu o figo ainda pequeno no
Retábulo a meio das escadas ou no quintal
Sem nada de especial, um coração cozido e tricotado
Bem junto ás ondas do mar com este vento de areia
E palavras frias apesar do sol e da primavera no fim de
Abril –  para Maio marcharemos logo no primeiro dia
 
José Gil

sábado, 17 de maio de 2014

Mãe 3

Ontem fez anos que inauguraram o campo
De concentração do Tarrafal, mãe onde está
Agora uma plantação de girassóis, mas é no
Algarve que começam a aparecer os figos da
Memória de Portimão e da casa – posso voltar a
Escrever na parede caiada um desenho da tua
Coragem, intranquila mãe de nove filhos numa
Sociedade do espectáculo, criar, mãe é resistir e
Resistir é criar – principio simples de todos os
Baloiços, ir e vir e resistir sempre, ontem também
Foi o dia da terra tempo de memória 1953
Obsessão comemorativa em todo o 25 de Abril
 
José Gil

terça-feira, 15 de abril de 2014

Mãe 2


Quem nos governa agora em Abril mãe querida
Para eles é a leve segurança de correrem contra
o tempo em que os cravos em Benfica enchem as
esplanadas a hora da bica e da empada de vitela
até no Mercado querem mandar esquecendo as
ciganas que gritam por um euro todas de negro
 
tomam posse mais novos os políticos defuntos
a revolução não lhes perdoa  a igreja no mesmo
sitio em frente ao Nilo – tábua rasa fica de fora
da Assembleia – todos na rua cantando Grândola
são as vilas morenas do nosso Alentejo e Algarve
onde a revolta não congela agora que chegou o sol
e Lisboa vai sem Troika comer os morangos maduros

José Gil

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Cascais 21


a Solange
 
 
Amo o teu húmido clamor de lua
Ofereço-te esta folha branca de papel
Uma flor de falo junto á raiz, é por
ti que escrevo na areia da praia terra
Para que sintas a verde frescura
Sempre adolescente musa de minas
 
Guardo-te como um segredo digital
Entre os continentes e o oceano de letras
Como um cruzeiro um poente para pôr
Bem centrado no umbigo, vibram as flores
Cantando por Paris junto ao Sena, és a
Torre na tua fragilidade de moça alegre
 
Amo as tuas pernas no lugar dos santos
A minha língua se prolonga entre a romã
O Guincho e Cascais esperam-te como eu

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Mãe I


Se esse tempo esquecer que é morango
Recordo o vento da luta, passa mais
Um poema sem dia, tento chegar a ti
Com o sol e o mar de Armação de Pêra
 
 
Eu vou chegar a razão de te escrever
Na casa redonda  um pedaço de papel
Junto á janela redonda do terraço para
O mar enorme e eternamente azul e branco
A eternidade do acontecimento, nasci, morango
 
Hoje abro a casa ao silêncio, mãe minha
 
José Gil