segunda-feira, 27 de abril de 2009

corpototal 13



(estatuetas de jean-baptiste pigalle, "statuettes of venus and mercury", ca. 1770)


a violência extrema tem um braço de cristal
e de sol, perde-se entre dois arco-íris brancos

olho para o céu e o que vejo: os teus seios de
rainha, eu serei o fugitivo sedoso da tua
erva crespa e negra entre dois oceanos

minha mão guardará o primeiro mel de
agosto, seremos três na leveza do edredon
branco como espargos de alegria fina
o corpo total, pedra azul e com cânticos

oiço-te na rede aérea e se o reino do gemido
toca a terra é de uma violência como o sabre
da fiel invenção do amor e do amado

ferve no lugar dos corpos só assim o corpo
será total, entre duas trincheiras com pólvora

deixarei meu braço no campo de batalha
meus dedos serão a arma mais transparente
do tronco sem obstáculos, tocarei ainda a língua.

José Gil

quarta-feira, 22 de abril de 2009

corpototal 12



(pintura de marc chagall, "roses and mimosa from nice & the cote d'azur", 1967)


onde dói o corpo, a pele rasgada, junto à
face, no outro lado da flora o pólen
constrói a partir dos pés a mais fiel
aprovação, o timbre das pernas abre aos
cristais do fogo no centro do orvalho, a face
ganha um passo é onde o ritmo das fotografias

é aqui a ondulação do corpo, o recado de
ouvido a ouvido, abre a porta onde dói a
flor da linda negra, a pele não tem sombra
fica transparente entre os dedos e os pés
como os óleos certeiros na pele do pólen e
do mel onde o orvalho desenha no céu

a serra dos candeeiros, no solo rasgado

josé gil

segunda-feira, 20 de abril de 2009

cabeça lisa 2



(fotografia de michal ronnen safdie, "btr 20 [trees]", s/d)


torna a turma outra rente à lâmina
e o amor meu na configuração recortada
da coluna, nos solidários do asfalto, bebo
a lágrima da dor da casa erguida ao luar
do vento, o tempo e o mar procura a vela
não saber que fazer onde esticar a mão

desejo o abraço o corpo reunido e uno
na flor mais lisa e suspensa, a liberdade
de sofrer, aí no bico do osso no músculo
no ar e no fogo tosca palavra para rolar outra

José Gil

cabeça lisa 1



(quadro de jean-baptiste-camille corot, "venus au bain", 1873-1874)


A cabeça lisa, sem cabelo nem sobrancelhas
a face da aurora azul como a parede azul
única do teu corpo nu longe das paredes
brancas, as mãos nos seios e nos mamilos
um pouco de mel, as janelas todas abertas
ao sol do dia de primavera no Marvão, apenas
a música verde das árvores a fraternidade
singular, a aurora é um anjo que te transporta
na sensação de voo do azul como um eixo,um
jacto da cor negra do teu colo, vives e viverás
entre a parede branca e a azul no quarto quase
redondo da solidão, choras ainda o pânico da
doença fulminante – a ânsia – roxo claro nas
paredes inclinadas no casulo dos cabelos negros

vives ainda o canal dos seios da angústia, salvas-te

José Gil

sexta-feira, 17 de abril de 2009

corpototal 11



(fotogradia de denny moers, "untitled", s/d)


na vazia maré dos lábios
rente aos mamilos, no corpo
de água, na serra mãe,uiva o
teu corpo de loba e o vento
volumosa serra de sono, o teu
ventre em viagem, ofegante
de sinais, dança na mesa sob a
esplanada entre sentir e ressentir
até à fenda, ao intervalo abrindo
uma transparência real, lâmpada
aberta abaixo do umbigo luz e fogo
bem na relva de todo o possível ser

balança e balança ao nível da terra

José Gil

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Crash 52



(pintura de theodore earl butler, "cliff-normandy", s/d)


A Mar
e Constantino

cristaliza na linha do horizonte a lágrima
o rio das ondas vivas, escrevo como quem
regressa, o barco junto à caneta, a tinta dos
dedos. perco a folha que voa com a carne
do poema, choro onde o rio trava o dia

o corpo limpo na janela da noite, soluço
um novo gosto na linha das letras entre o
ar e a água – preciso da concha de um sorriso
na linha cristalizada a negro, pretinha lenta
como as canções do conjunto do oceano
matriz romântica plenamente brava


José Gil

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Crash 51



(pintura de balthasar van der ast, "a still-life of fruit, flowers and shells, with a lizard, caterpillar and dragonfly", 1630-1635)


espessa a passagem do teu corpo entre os
documentos
delicados como aves entre as pernas e a lua, o
lugarejo

o céu já não faz de capa a noite numa escrita
sem linguagem
envelhece a natureza não o sol, minhas tónicas,
meus saltos
a música de um andar sem espelho, saber querer,
o corpo voa
para escrever espaço aberto, insisto nas
alternativas como
se o andar de todos fosse limpo, na terra
limpa, outra sombra embeleza os dedos no chão
de granito pula a bola da
consciência, tudo nos une à secura

e se procurar o outro limite, ir para lá dos
pés, saltar

eu sou o salto

o teu corpo no meu colo e o chá verde, oiço as
bolachas de mel e amêndoa sinto os teus mamilos
para lá do vidro e fico


José Gil