terça-feira, 28 de setembro de 2010

carbureto



(pintura de willem de kooning, "east hampton £4"


Os mosquitos voam em roda
Ao pé do escuro e do carbureto
No lugar da cena - é a feira
As gambiarras telúricas na sua
Verve, vivem e olham o teu
Passar de pequena ave – onde
Vai a tua valsa e o tango – dancem
É a festa, dancem comigo até ao esquecimento
Gostava de ver toda a gente sobre o palco
Dança entre as letras e as cerejas
Leonard Coen em pedra sem
Público – apenas um teatro de
Ópera com bonifrates
Um calor de forma e cor
A textura da tua
pele

José Gil

a memória dos pássaros



(pintura de sam francis, "santa monica I", 1972)

Pêssegos em calda degrau a degrau
na escadaria da catedral

O vento brisa fria da noite no começo
do Outono, procuro-te
Entre as velas e a fruta alma ausente,
Tu ainda corrias ontem nas estradas
Junto aos baloiços. Agora mais nada
Pêssegos em calda na mesa quadrada
Toalha aos quadradinhos azul e branco
Não te encontro a cadeira está vazia
Procuro a mesa de mármore de madrugada
A única onde não se fala, a cobertura do mundo
Pai, são palavras e a memória dos teus pássaros

José Gil

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Protótipo textual



(fotografia de judith s. larsen, "ermes", s/d)

oiço-te na delicadeza linguística
o texto já azul - ferrete salta
com os sóis do teu umbigo rosa
chegaram-me tarde as asas de um
anjo, a pedraria é de jaspe coberta
no chão apenas dizes o que já não
oiço emergindo do mármore cru

um pouco mais à frente é o lugar
onde nasce a fonte do século dos
beijos num prototípico(1) teatral
em que levanto o teu corpo
até aos olhos o momento
do seu ser epistolar


José Gil

(1) J. M. Adam

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

dialéctica do esquecimento



(pintura de zhong biao, "the beginnings of chaos", 2009)


(Adorno, Damásio e Horkheimer)

aurática a forma, direi dos teus seios a identidade
com os meus óculos verdes de aporia, destrutivo
entre as alfaces do coração, as veias da folha
nascem neste campo as tuas pernas, para ser mais preciso,
vou tecendo dois eixos, escrevo o impacto dos teus mamilos
na minha língua de mel, digital como vamos entrar
na luz, o advento do tempo consciente

voamos com lucidez e amamos o jardim imenso
a carne e a relva na pessoalidade da metáfora
si traduz o teu sentimento próprio aberto o
pano de boca a luz ilumina-te os pés este momento
o limiar que é fácil escrever, investigando o mel

José Gil

domingo, 5 de setembro de 2010

a flor do sal



(pintura de norman bluhm, "study #12819", 1969)


outros mesmo ali na varanda outros aí
no fundo das salas a ler o que nunca
se escreveu como rotina, a flor do sal
abre a ruptura de quem faz da poesia
o ramo das ervinhas e gosto dos sentidos

amo a dona salsa e as suas utilizações
nunca esquecer , um dia inteiro a comprar
o que vamos comer, há medalhas na cova
da moura e na minha procura muito milho
para a cachupa morte ou vida, vida adversa

não há silêncio nem de dia nem de noite
dança-se ,ouve-se as músicas de um lado
ao outro nos limites do comboio e da
auto-estrada, dou-me a garças e serpentes
enquanto sou eu serei do avesso a madrugada


José Gil