segunda-feira, 26 de julho de 2010

árvore 2



(pintura de melissa doherty, "into the woods, nº 5", 2008)

tomais-nos por poeta e poema
os olhos fixos foram feitos para
a árvore certeira, a segunda do
lugar público, saltai das laranjas
a paz seja convosco por isso
deixai-os fixar a paleta e o
aroma da folha que estima tenho
por sevilha logo de manhã as razões
que tenho para a escrever

que fizeste da tua juventude?

devo
acreditar que o incorpóreo
imalterializou-se na tua clareira negra

vem sempre dar a carne o sabor da foto
e uma onda de mistério onde tudo se
sonha, repousa no movimento
do esquecimento com o corpo
encaracolado no seu abismo verde

José Gil

esquinas



(instalação de david byrne, "nest", 2007)


Escrevo na sombra da folha azul
Ganho o corpo sobre ela, cantando

Gostaria de passar a ponte
Naquele cavalo cor de mel na cor do teu corpo
Só o solo levanta a sombra até aos olhos
não posso falar em esquinas
Que não conheço despojado
e inteiro com este presente eterno

é tão fundo que cintila nesta
projecção

José Gil

segunda-feira, 12 de julho de 2010

eu subirei os degraus da árvore



(pintura de ivan bazak, "untitled", 2005)

eu subirei os degraus da árvore onde crescem os teus cogumelos rosa
e o violeta do teu verniz tingirá as nossas mãos, devagar, tudo
vermelho e negro entre as ondas e o teu corpo e os barcos lilases
como a piedade e a cruz rubra do teu olhar, perde-se tudo onde se navega
à vista – eu subirei ainda os degraus do oceano com árvores

ficará o meu amor a boiar nas minhas ancas bem seguras e as algas
roxas aprenderão a amar e alguns violetas se fecharão em tristezas se com esse
dia a dia de viver tristes. alguns estarão assobiando em suas portas ao passar na avenida do mar eu cantarei a tua janela de persianas rosa na casa rubra que caracteriza o teu quarto. Vê amor o sol que nasce no teu coral negro no urdir deste tempo entre as quatro árvores e o céu muito verde e cinzento de sol

respira, ouve as flores da paz, os gigantes da serra no fundo do oceano como
um bosque, eu amo-te dolorosamente na linha da distância só sei que Janeiro
nasce no fundo das ondas onde se desenha o sexo com pequenos búzios redondos

José Gil

sexta-feira, 9 de julho de 2010

pela noite adentro



(pintura de gino de dominicis, "senza titolo", 1998)


pela noite adentro
trazes os cotovelos
o sol visado entre
as tuas doces pernas
com roda e o seu valor

a cor do teu corpo
deslizado e escuro
onde crescem as raízes

danças a minha cegueira
uma dança nua na praia
avanço no teu corpo
lua nova avanço com uma
mão cheia de areia fina
um movimento errante
e vento negro dalgum vulcão
movimentam os montes das
tuas ancas, espelhos negros
numa luz de surdez. os cegos
encantam-se com os corpos
que conhecem pelo odor e pelo
aroma e tacto, as orquestras de
cegos muito leve o calor
junto ao mar azul e crespo, fica
novamente enlaçado no meu

será que o meu amor
ouve a minha voz tão longe sente
sou a lâmpada, as palavras voam
e só ouvimos os pássaros


José Gil

domingo, 4 de julho de 2010

corpototal 33



(fotografia de elger esser, "arromanches-les-bains, france", 2009)


“Eu vi a luz em um país perdido”
(In Clepsidra de Camilo Pessanha)



Ele é um tigre. O papel da fonte.
entre a água e a folha
se procuro a noite
ninguém fala dele
ocultamente

O país de minhas irmãs suavemente
Meu pai escrevia
Meu irmão escreve

Eu apenas amo tranquilamente
a ponta leve da caneta
na brisa do Funchal
maçã e laranja
formam o seu
pomar

Não sei em que mês ainda estão
O pensamento renasce
com o dia

sei, já sei que ele é o tigre de papel

José Gil

suporte



(fotografia de robert mapplethorpe, "bread", 1979)


deixei o pão sagrado com queijo e ervas
à porta da sé enquanto rezavam o rosário

tu lhe chamas pão da tua terra, Madeira

morreu alguém, saltam os gritos e a oratória
estou agora no fogão a escutar a tua voz na minha
alma, fala mais alto, assobia a água quente do chá
de menta e hortelã para comer com um gelado de
baunilha e frutas cristalizadas e passas e cerejas

estamos no verão, só o sol queima, ninguém vive
connosco nestes momentos. Nem o sol nem a lua
apenas a casa e a bola de carnes, não há guerras
aqui próximo, isso nem falta a broa nem os teus
seios fartos, apenas o céu suporta a força do seu
azul, pesado mesmo rente ao longe no mar e na terra

és tão linda azul como o sol do mar, a noitinha
distante, o pão abre-se com a mão e cachaça

à porta da capela antes de atravessar as
estradas rápidas de esmeraldas para
o meu coração com asas/vento meu sangue de uma inocência de liberdade

José Gil