quarta-feira, 24 de novembro de 2010

montinhos



(fotografia de robert morris, "self-portrait", s/d)


A orquestra do Titanic toca durante o naufrágio
do prédio na dúvida soberana dos montinhos
nas ondas de gás – ela trinca a hortelã do Martini
à saída de cena morre-se sempre antes do tempo
activos sólidos ninguém julga as grandes notícias
são as maiores diz ela são as maiores as de iniciativa
própria blindada. Dá-me uma surpresa nas entrelinhas
um cabelinho com um sinal nos cones negros como
montinhos quando estás de frente, vamos em frente, sempre
para a frente do trânsito, das corujas, das girafas
quero nesta casa outra noite sem dia - o oceano todo em baile
os mamilos rosa em que eu
embarco sempre de novo
no rigor com o perfume
da época

o país despido junto ao corpo – há tempos de voar como falcão
vale mais uma ruptura a curto prazo, o vento rondou
em todos os jornais, um pacto de namoro
onde não há nada a clarificar
a possibilidade
do que vai à
pele

José Gil

a flor de jasmim



(fotografia de juliano santos)


Traz o triplo jasmim manga

O eterno bolbo das flores

De lírica, lírica rua onde

As mãos do mar branco

te aguardam para outro

rio, transporta a fortuna


José Gil



poema também publicado aqui

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

sol



(escultura de aaron spangler, "untitled", 2005)


chapa a capa do sol
como a pedra a ferver
dentro das tuas costas
sou areia nobre
no passo que revela
há fronteiras abertas
sem conflito, e depois
sonhar, crenças e práticas
artes contemporâneas, na
transferência estética
a realidade paralela
no plano inclinado do
teu corpo no meu
uma matriz de árvore e
de homem

José Gil

corpo 314



(fotografia de antoine d'agata, "france", 2002)


contra a pedra quente
o lugar do corpo junto
ao rio no meio da floresta
é aí que procuro o mel

no campo tudo faço
para te encontrar flor
silvestre e difícil
como quem olha uma ave

escrevo assim o
primeiro tronco
entre os cones da lua

José Gil

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

sakineh




uma pedra, outra pedra, ela vai ser
apedrejada noutro dia de luz, uma
pedra ainda na pedra grande da beleza
a pedra fina e iluminada de dizer não

como se compreenderá por lapso
escrevi a história da beleza

José Gil

terça-feira, 2 de novembro de 2010

falamos de casas



(fotografia de laure albin-guillot, "nu", 1927)


os corpos habitam-se sem a ideia
do corpo da casa – o corpo tem cantos e
recantos, esquinas e curvas junto á fonte
e ás portas – os lugares silenciosos e quentes
são as caves com os animais

nós dormimos por cima com todo o bom calor

até ao final da noite chove ,aqui nada só o som
belo, onde as flores saltam e as flores voltam
aos pés do poema nas casas de palha

volvemos o dia num bom tom de sol tardio

José Gil

o verão que chegou é o teu corpo



(fotografia de ruth bernhard, "knees and arm", 1976)


o verão que chegou é o teu corpo
a tua boca ferve, a tua alma
queima em pingos de suor
em plena época das castanhas.
a fervura da tua língua percorre
o teu corpo findo no meu corpo

procuro-te como a trovoada de
ontem, altas temperaturas no
corpo alagado em trinta minutos
hoje a alegria do sol quando vens na
estrada já me aquece os pés
como muita gente tenho os pés
frios todo o ano, cheiros e
caminhos a perder nas piruetas
do discurso do poeta, quem não gosta
do corpo da mulher crua e musical

José Gil