sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Poema do meu Pai Amílcar Gil



(quadro de andrew foster, "love birds", 2008)


moça deixa-me caminhar ao teu lado
prometo guardar distâncias
ter em conta as circunstâncias
e ir calado

Amílcar Gil

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Poema do meu pai Amílcar Gil



(pintura de ranulph bye, "bucks county christmas", circa 1940)


Quando o natal já não for
não for o frio Dezembro
não quero guardar o amor
na arca onde o não lembro.

Amílcar Gil

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

curto 33



(escultura de luis montoya e leslie ortiz, "single red cherry on white plate", 2006)




“estou agarrado à penumbra”
(José Félix)

Eu sei que não somos imortais
as cerejas voam rente ao sabor

as árvores são imorais

José Gil

Curtos: Não sei de onde fujo



(quadro de fang lijun, "1997.11", 1997)


ao Gonçalo

Não penso. O meu pior perigo. O choro é o Rei. Sou o primeiro. Nunca somos os primos. Pele de aço sobre a pelugem. Onde pinto o que começa. Já não somos os primos primeiros a pintar a manhã - és tão bonita. Vestimo-nos de singeleza. O que chegou da estação no comboio do cansaço a Praias do Sado. Chove no luxo da pele, são pouco mais de cinco horas. Chego cedo onde o sol renasce. O que chega ao monte e corre o vale e vai e vice-versa como quem morre de sede com tanta gente à sua volta, a minha ilharga.

É cedo, o dia começa, no cinzento dos subúrbios nos comboios. A canadiana cobre-me a testa, o silêncio, a folha da dúvida vive da luxúria, veloz o beijo entre os braços. Vibro o que torna o tempo, não sei de onde fujo, a volúpia cesse.

O sorriso escasseia, chorei a dor ergue-me aos ombros. Prometo que não desisto.

Trago-te aqui o azeite com o alho para acordares. Corro tudo menos a rotina, a tinta pinta no céu. A estrela.



José Gil

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Curto 30: Chocolate



(escultura de marcelo silveira, "chocolate", 2005)


Sete horas as imagens e as velas despertam
uma sombra em alvoroço, acento áspero
luz usada, escrita rugosa e solene

Transfiguro quando chega a palavra neste campo
sílabas alouradas a moldar sinais em cada tempo

O poema de que nunca me despeço: chocolate

José Gil

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Curtos 29



(quadro de carl palazzolo, "a presence of absence #6", 2006)


(ao Xavier Zarco)


sem limite,o teu passo

ouve-se no convento

da ausência, como a coroa

de espinhos guarda o

vento no avental


e avança



José Gil

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Curto 28



(fotografia de penti sammallahti, "signil skär, finland", 1974)


não há distância ao monte mar
quando dou voz às palavras
há tanta saudade neste oceano de
Deus

a que distância estás?

José Gil

Poema Curto 11



(fotografia de chuck close, "calla lily", 2007)


a onelight e Pablo Neruda



atravesso a tua volúpia por dentro das árvores
grossos e longos troncos, por um beijo bravo
uma flor silvestre no centro do umbigo, loba
escrevo um soneto livre e escuto a tua garra


com a inocência da noite ,um dia a lápis, outro
com a tua caneta ou só o aparo e a tinta branca
caídos no mesmo estábulo , onde a folha se
configura no design das ancas, talvez esta

talvez a nossa limpidez longa e ampla
no vale das uvas e próximo do vestido
justo, o timbre das sílabas dá-me a pausa

há um pacto quebrado é este o reino dos
insectos, voaram também com o inverno

chama-me estarei por aqui e choro imediato

José Gil

Poema Curto 10



(quadro de kate breakey, "crane feather and shell", s/d)

a José Carvalho e Guerra Junqueiro


de noite, amarra-me na concha pura
deito ainda o braço trémulo da
caneta leve, amarra-me a tinta branca
onde o leite escreve o mel e as natas

os corpos sabem o toque do zinco, é
outono entre os lençóis e as framboesas

o percurso será sempre incerto.

quando te vou ver, e aqui a ausência

chora a transparência existe – a nós do
barco em chocolate branco de Belém

navegarás onde eu fabricar a sensibilidade
da água e da árvore – a rola – entre as mãos

José Gil

Poema Curto 8: Torrado Miúdo



(escultura de elmgreen & dragset, "belly door", 2006)


a Jorge Vicente e
Guilherme de Azevedo



trago a saudade na palma do amor
vibro a volumosa barra, este madeiro
no meu casebre de orvalho, ébrio

a perfeição é terrível, trabalho por
ela a libertar as luas no ecrã sensível

estremeço ainda na madrugada fria

o livro antigo transporta-te no altar
a tua palavra é a minha mão, o dedo

demonstro em linhas a sagração do
teu colo, ama a barra do orvalho, no
lugar da árvore onde nasce a amplidão
do azul do céu e do verde do oceano

amor já tenho o barco e a vela
tenho o amor já torrado e moído
na saudade do futuro ébrio

José Gil