segunda-feira, 28 de novembro de 2011

corpototal 57



(fotografia de marc riboud, "eiffel tower painter", 1953)


escrevo aos que me observam
levanta-te e põe-te de pé
dança aí no meio da mesa
a saia cada vez mais larga
e grande pronta a saltar a
cabeça contra o mar, estende
a mão traz-me a espuma da onda
e nos dedos a certeza que a poesia
está sã, nunca tive segredos azuis
dançamos depois todos no horto
o inverno está a chegar, já não
vaza a saudade, o amor nunca se
escolhe, sei nada, uns calados
para os outros em aparição a lã

José Gil

domingo, 13 de novembro de 2011

corpototal 56



(fotografia de tiziana & gianni baldizzone, 2006)


vamos ser positivos entre as canadianas cinzentas, e negras
o pé no ar, a sala está quase escura vejo a literatura como
o fim do dia a mão arrancando de uma só vez a pele da parede
tudo se descobre como o sangue dos tijolos, o mel do cimento
quente, a volatilidade do fim do dia, desce quando começa, o princípio
do corpo quando não há outro para fazer arrebatador, na voz única
o corpo debruçado ao topo num primeiro plano há ainda tulipas violetas
espalhadas no pau preto, a dureza da madeira incontornável, superior
ao castanho, o perfil selectivo, ondulação, deslizar como um animal
dou o pé ao meu olhar, a mão limpa na parede, vinho escondido nos trilhos
da janela da manhã em istambul casa erguida voa até aqui no mar

José Gil

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

corpototal 55



(fotografia de lawrie brown, "red-spotted ficus: japanese pine and false aralia", 1990)


Louvarei a tua boca quando amanhecer
E deixarei o pó nas janelas ao sol, tranquilo
azul e branco "vigia a porta dos meus lábios"
Boanerges, atravessa ainda o céu e a terra
não sejas a blasfémia mas o aprumo da palavra
estás fora de ti, fica como ele a guardar os jardins
quando já os teus ramos anunciarem as novas
laranjas e brotam flores e folhas então o verão
estará próximo como o meu corpo do teu cada
vez mais negro ao sol do lençol da areia fina
não passará este tempo sem o abrigo dos barcos
as minhas palavras doces não passearão no recinto
nem os anjos do céu, em verdade te digo, ouve tudo

José Gil

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

corpototal 54



(fotografia de rolfe horn, "coastline study 3, chiba, japan", 2008)


há um aroma que chega do sul
a palavra chorando de saudade
há uma voz que vem no aroma
com as suas velas, é o rio, barco
erguido a janela de flores da minha
vida, há um aroma que vem nos corvos
agulha picando todo o corpo sobre
a mesa descansada, há outras janelas
no ar do enlaço do mar uma guitarra
há um quadro minucioso e negro na
saudade junto às persianas brancas
é polido o céu deste outono de água
plenamente os seios uma palavra qualquer
um aroma para respirar moribundo
peregrino no caminho das fontes

José Gil

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

corpototal 53



(fotografia de ruth bernhard, "draped torso", 1962)


sabíamos o que era a saia
no mais curto pano
no mais florido e armado campo

cantamos o vinagre nas bolhas
que jovem ouvirá amanhã?
longo e amplo dia como as omoplatas
do corpo em vão, já afasto mais os
meus passos fica mal no timbre das sílabas
chorar a solo na plateia, sabíamos qual
era a nossa religião de fiel invenção
cantamos onde se bebe e bebe lentamente
o hábito da tristeza, são quatro ou cinco balas
sem palavras tão duras na passadeira
intermediária a página presente, o corpo
ausente como as janelas débeis o poema é
insonoro, racista, solitário, raivoso, rude
pouco ou nada há mais para comer

josé gil