sexta-feira, 6 de novembro de 2009

corpototal 21



(trabalho de tracey emin, "Her soft lips touched mine and every thing became hard", 2008)


o poema está a ser magoante
no corpo lívido e raro, a
afirmação da palavra fica no raio
quadrado à hipótese do sujeito estético
magoante a noite em que o poema se prolonga

nada para dizer na folha curva
quem foge não foge dói e canta

José Gil

domingo, 1 de novembro de 2009

corpototal 20



(desenho de tony cragg, "untitled", 1997)


viajo verde no seu corpo simbólico
tiro sortes e divido as terras da lua
onde até a pedra se esfarela
sem cessar

traz-me a andaluzia nos dedos pequenos
a metamorfose dos gomos de laranjeira
falho-te sempre nas certezas humanas
a kura, a tua persúria clara leve a tua
alçaria, o teu encastelamento em flores
islâmicas de primavera, a tua curialização

trago-te as Metamorfoses de Ovidio
os mitos de Faetonte e de Actéon
os Deuses reduzidos a paixões e caprichos
no estado clássico – despe ainda o busto
com os seios negros, modernos e os
braços e as ancas bem rente à cor da terra

José Gil

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

corpototal 19



(pintura de keith tyson, "nature painting", 2006)


ao Constantino


de todo o eixo vegetal do mundo
nasce a glória clara, imensa viagem

hoje berlim, respiração ou pedra, onde
apenas os reflexos da chuva nas cerejas
latinas, o sopro na tua face, a tinta da água
do outro lado da face do espelho vegetal. na
glória incerta dos mamilos onde nada fere a
imperfeição a alegria corre pelo peito amplo
errante como o leite no umbigo – o tempo
passou acordes anéis de noite no mar de s.pedro


José Gil

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

11, 20H



(pintura de will murray, "she's imaginative she's 23 years old she's brilliant she stops traffic", 2007)


a Mar


as laranjas em gestos épicos de sumo
cristalizado na frescura do teu corpo,
nas varandas da linha do horizonte
do casario em que tudo se perde nas
praças da tua cidade e em lisboa no
lugarejo das laranjeiras em sumo simples,
no teu colo onde tudo se ganha no centro
das coxas junto à fonte – a fome do vidro
espelhado – projecta os teus cones no
reflexo húmido da montra os livros e as
suas folhas em casulo – pele na pele, letras
negras na pele negra em sumo de noite

as laranjas rolam no soalho do sonho
em sonho, sonhando que sonho e acordo
fábrica de sonhos para a bela arteira

José Gil

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

corpo em construção 2



(pintura de david bierk, "a eulogy to earth, blue sky", 1997)


bebo o lugar do silêncio na aveia
a inventar outra palavra
com a luta

na erva que agarra a pele quente negra
qual grito que se procura
entre dentes

construindo a casa na pureza azul
e com a infância de lado
areia ou rocha

voa lenta

José Gil

domingo, 11 de outubro de 2009

corpo em construção



(esculturas em vidro de dale chihuly, "b&w persian w/red lips", s/d)


deito as cerejas no umbigo, cor de verniz
os dedos rolam as redondas do corpo em
construção como a casa sobre a rocha

abrem-se as cerejas em palavras de vento

a frescura do calor imaculado sobre a pedra
da mesa longa, o teu corpo dobra-se no lugar
do umbigo e desce e sobe ao sabor da língua
nas cerejas em construção, elegante o corpo
junto à lágrima, avança o umbigo azul onde
quebram os dedos da casa, mão larga e lenta

no olhar do céu azul e cereja e branco como
o corpo envolto no lençol do leito imaculado

José Gil

terça-feira, 22 de setembro de 2009

michael jackson



(trabalho de russell young, "michael jackson motown records office", 2006)


escrevo-te em silêncio, como um pássaro em voo
as palavras são doadas, como um Deus moço

a ansiedade toma-me vivo e choro nas paredes
da casa, foi por destino do barro cinzento junto
à linha, coração urgente, logo de manhã que
medo e o sol vai dourando o meu coração viu
depois no teu colo negro a cruz, fui ter à mesa o teu
copo de vinho nas tábuas deste meu fado e choro
como uma túlipa junto ao corpo e é de morto o seu
olhar , eu te acompanho sempre da lua e do luar

José Gil

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

crash 55



(pintura de maykel herrera, "good bye", 2008)


a pedra da tardinha para a noite, o sol puro
vira-se a lua para encontrar a sequência
o telhado ainda não foi colocado fica
no rés-do chão com o vento que roda

viva a tardinha fresca, o momento do invento
queria escrever um poema e só sai logo
o aroma do pó da pedra e do alecrim,
muda-me a sorte, muda-me o destino

os monges saltam as pedras junto ao rio
cada poema é uma oração, a vida uma
catedral, fresca a tua nave sobre os seios

interliga o desejo e a fome como o ardor
vivemos onde menos se julga o andar
por terrenos soltos que mudam a viagem


José Gil

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

poema



(pintura de alain de la cruz gonzalez, "independiente", 2008)


Poema



“ Nos campos da sua eterna infância
o poeta passeia sem nada querer esquecer”

não há divisão entre a vida e a poesia

onde os outros pavoneiam a sua obra,
eu apenas desejo transformar-me
num comboio de laranjas de sol
e revelar a prática dos carris de ferro
e o gelo mais duro da solidão picado
pela casa de todos os leitores,
pelas portas que os seus olhos abrem
e pela gratidão doce da sua leitura



josé gil

(retirado do livro fractura possível. edição edium editores: 2008, pg. 140)

domingo, 13 de setembro de 2009

crash 54



(pintura de victor rodriguez, "crumpled model", 2008)


Cheguei para aconchegar os lábios
num troco doloroso e esvaziado

As vértebras coladas dão o sinal da urbe
Na flor da noite o coração e a cabeça
Saltam para as pernas lentas, por um
Deus menino, o próximo negro e branco

Já o vejo correr no limbo da estrada
Tem asas e não perde o oceano, luz

Vem connosco amor como o sol e a cera
Atravessa diurnas de Junho e as festas do
Meio da rua, do meio da lua, ao centro da
Ladeira e da fogueira, cheguei para aconchegar
A mão no cabelo e na face e chorar por cerejas
Mais nada, apenas o afecto dos dedos na tardinha

José Gil

sábado, 12 de setembro de 2009

crash 53



(pintura de sebastian blanck, "isca (profile)", 2007)


driblam os teus olhos os meus no teu nariz
na tua face, os olhos em fogo, facies sedimentar
na classificação dialectal – o teu princípio sempre
a cortesia – e o fio arcaico da navalha branca
na vida real aparece no poema – adora-se, o
narciso esse grão de demência inabsorvível

trazer a literatura à terra e a terra à literatura suada
e vermelha – o rosto sempre sério e negro, sorri então
os teus olhos de um lado para o outro
da face como romãs todo o ano sobre a grande mesa
a sala ao fundo com a vela no corredor infinito
piso rápido os actores elocutórios voam de um poema
épico “lembra-me outro filme e outro livro les enfants
e la pluie d’eté
de Duras”(1) cumplicidades profícuas

eléctrico o professor do poema avança no filme
com lentidão e silêncio na intensidade de cada minuto
estruturas cársicas, varvitos, fomos criados com a água
do tejo, sempre fomos os ciganos do rio, bebemos a sua
água em cada dia e o pão da cantiga leitos claros e escuros

josé gil

(1)Expresso,(2009)Lisboa

domingo, 6 de setembro de 2009

singularidades



(litografia de jim dine, "sun's night glow", 2000)


a Manuel de Oliveira e ao Constantino "Sopa de Massas"



as gaivotas batem as asas sobre as águas
sinto o osso duro de roer a mesa balança

à caneta cheia de pétalas violetas eu vibro
não sei se o sangue azul do pulmão negro

encosto a face ás gaivotas à altura do vento
fresco fico com as mãos abertas para um
ninho – as novas gaivotas gritam no vento do
ventre negro, entra a mulher de cabelo vermelho
nada sente da fresca virtude das suas singularidades
o véu atrás do vazio, numa mínima, minimal canção
minimalista e sensual do vento fresco no calor
da noite o abano e o ranger dos dentes fracos, ouço
a minha barba de trevas na tua face que atravessa
a bola do mundo já estou do outro lado como as
gaivotas atravesso o leque liquido das águias dos oceanos.

aí fica a tua casa amarela e verde com
o coqueiro junto às gaivotas. rezo se o oceano fosse pequenino
com a água a ferver – eu não teria esta cara de sofrimento

o leque de dupla face é um poema como o
ranger dos dentes na dobra do leque vermelho
como as gaivotas que oscilam dentro do texto
e a hortelã fina e o jasmim regressam das
estações doces e finas para acompanhar o estremecer
das gaivotas a sacudir os corpos para ventilar os dias

José Gil

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

corpotal 18



(impressão de caio fonseca, "three string etching, giallo", s/d)


violeta no violeta, escrevi na tua parede,
saltam-te os seios negros claros
sem sombra na parede,
eu sou o animal que procura Deus no teu umbigo.

sorris por desacato, o sol no sono no solo
como um beijo
que me vai iluminar. onde canta a luz?
quem somos para lá das palavras e dos poemas
pobres peregrinos habitáveis
à luz fria do pó rosa pêssego

o que me darias por uma mesa longa
que beijo procuras no sonho
nua como um pássaro cego em direcção
à casa negra, quase a perder
o voo

josé gil

eu subirei os degraus do oceano



(impresão de helen frankenthaler, "soho dreams", 1987)


ao Miguel

eu subirei os degraus do oceano onde crescem os teus cogumelos rosa
e o violeta, a cereja cor de vinho / opera, tingirá as nossas mãos
devagar, tudo vermelho e negro entre as ondas
e o teu corpo e os barcos lilases como a piedade e a cruz rubra do teu olhar,
perde-se tudo onde se navega
à vista – ficará o meu amor a boiar nas minhas ancas bem seguras e as algas
roxas aprenderão a amar e alguns violetas se fecharão em tristezas com esse
dia a dia de viver tristes dos encarnados. alguns estarão assobiando em suas
portas ao passar na avenida do mar eu cantarei a tua janela de persianas rosa na casa rubra o que caracteriza o teu quarto. Vê amor o sol que nasce no teu coral no urdir deste tempo, respira, ouve as flores da paz, os gigantes da serra no fundo do oceano como um bosque, eu amo-te dolorosamente na linha da distância

só sei que Dezembro nasce no fundo das ondas onde se desenha o sexo com pequenos búzios redondos de casta amora e brilhantes com mentol e chocolate rosa quente.

José Gil

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

acreideas



(impressão de ja-hyun koo, "at the creation I, blue", 1996)


La langage poétique est une écoute.
La lecture et la poétique sont
l'écoute de cette écoute."

(H. Méshonnic, Pour la Poétique II)


as borboletas vivem nas dobras azuis de Maio
um bando deserto tem o brilho eficaz do luar
o que nos povoa de palavras entre os braços

pégaso o branco no teu colo na serra do marão
as asas dos abraços alados, as éguas e os cavalos.

estou em Lisboa, vou onde a poesia é diária
no canto chão, os acreideos zumbem á volta
os rituais da poesia e da espiritualidade, escrevo-te
no monte quando o dia despertar azul
da cabeça da sílaba tónica, e não escuto

a liberdade é irmã da harmonia, sopro em
vertigens abstractas, já vi a escuridão e estou
salvo no sono imóvel da bailarina na margem do
douro com seus cones negros fluindo no sopro

a noite é longa e acumulo sílabas, vejo os camponeses
entre as espigas e as sementes, abrem-se as arcas
antigas e somos apenas irmãos das novas fontes.

josé gil

domingo, 16 de agosto de 2009

vã fragilidade



(fotografia de valérie jouve, "sans titre (les personnages avec richard serra)", 2008-2009)


Sobre poemas de Teixeira de Pascoaes

(ao Félix e ao Jamor)


A vã fragilidade, vejo tudo em incêndio bravo
Como o ferro que me percorre a coluna.

Ó dor de ter músculos à sua volta que eu
Sobreviva ao que tem fim de claridade e
Se renove de outro modo e sofrimento
Nimbadas de piedade sob o mundo o meu voo
É diário e imortal para o sol. bato a pedra
toco o brasil que amo, no calor da vã
viagem ao centro da claridade, nossa senhora
da luz, o incêndio sagrado e celta na aldeia
campeã junto ao ribeiro sempre em ferro, a cama
e a mesa, espero-te amor junto a esplanada em flor

José Gil

amarante dois



(escultura de dominique blais, "sans titre (melancholia) #2", 2008)


Poemas sobre poemas e prosa de Teixeira de Pascoaes

ao Gonçalo e ao Jorge

todos falamos deliciosamente ao telemóvel, íntimo
no hall dos hipermercados, cheios de uma importância
dominadora como se fossemos os inventores daquele
aparelho "valemos todo o oiro da Califórnia" como um
beijo de luz na alma e eis o teu peito rés espelho quente

"os animais são como circunferências do lago" rodam-te
as pernas em desequilíbrio, a vida é só alma, aparição
perpétua luta, S.Paulo escreveu " Ai de mim, que não faço
o bem que quero, e faço o mal que não quero" imaginar
é apenas ouvir ao longe"(...) "a poesia é a ciência do remoto"
como a estrela sirius a fonte das lágrimas

"A pena é irmã da enxada
a página dum livro é terra semeada" (1)

viverei a harmonia em pleno caos no meio
dos instintos mais ferozes - São João Gatão
ficaria pelo oficio do poeta - a bondade e a beleza

a construção do homem é mais que uma onda

José Gil


(1) O Homem Universal livro raro de Teixeira de Pascoaes, Edição Europa - Lisboa, 1933

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

bragança 6



(imagem tirada daqui)


Bragança a grande, por momentos fecha os
olhos enternecida, o
amor perfeito no colo
e dentro da minha alma cerejas e ginjas
vermelhas como brincos de príncipe e princesa

Lisboa, a grande, por momentos fecha os
ouvidos em Agualva/Cacém/Algueirão
CREL de todos os contentamentos
No Eleven das pernas lavadas em creme

Bebe-me cidade dura no parapeito das flores
De Abrantes a Santarém a terra recuperada
para entrar onde o espaço é nulo e azul

descobre amor ainda outro lugar onde o
Mar seja Mar e a lua se encante no teu colo
Ouve ainda as ondas no limite da areia

José Gil

bragança 5



(fotografia de david drebin, "capri", 2008)


Na palavra latina fingere, os significados de “plasmar, modelar”
e de “imaginar, representar, inventar”
(isto é, “modelar com fantasia”)
podem assumir matizes que vão até ao
“dizer falsamente”, ou seja, até ao conceito de “mentira”...”

bato a pedra na pedra e na neve
como um osso no chão aberto
toco a fissura onde a palavra
nasce ao arrepio da corrente

bato a pedra na cabeça onde o
osso dói a esperança, a cidade
brilha onde humedece o rio
quem caminha na muralha?

só as ancas ao parapeito das
flores onde fica a janela mais
fina, aço cinza sobre a testa

é este o reino das pedras, das
carícias ao sabor do vento de
quem corta o rosto e avança

José Gil

mar



(fotografia de trent parke, "untitled #10 - the seventh wave", 2000)


Poema sobre o poema S. Pedro de Moel (2002) de Constantino Alves, Jorge Vicente (Don Lackewood) (1) e eu.

Dedico o poema re-escrito aos dois camaradas deste poema a 6 mãos




“If someone reports
Something that seems
Crazy listen to him openly”
Peter Elbow,

Writing without teachers



Abre-te mar! Qual pauta de música?
Qual ópera? Pára silêncio metálico, junto á praia.
Abre-te mar, água imensa e ambiente sonoro
Canta rap e bate como a onda
Letra a letra, o rugir dos dentes entre a língua e os lábios carnudos

Abre-te Mar, ao espectáculo do sol
Pauta de sal na muralha
Três poetas andando
Pretinha a sambar na areia
Decorada de missangas
Catedral oca e sensual
Um poema feito de pedaços

Este Mar só tem boca
Em basalto
Ressequido e
monumental

José Gil

[1] In livro www.3poetasemleiria.pt

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

bragança 4



(fotografia de broeke rutger ten, "aaron's leap", 1982)


“A imaginação é mais importante do que o conhecimento.”
Albert Einstein


travo a trave da mesa no copo de vinho
bragança anoitece entre as papoilas, o pó
ainda não chegou tão vermelho como a
dor, entrego-me as sombras dos leitores
sobre o alcatrão da estrada, pela febre de
escrever e contra a fuga, corro, assim
mereço-te sobre as pálpebras cansadas

corri toda a noite nas claras ervas e papoilas
nada separa a fuga da pausa, como quem bebe
na trave dorida da coluna da madrugada

escrevo fugindo à dor, são ossos, a luz da
página a noite pela janela do castelo

José Gil

quinta-feira, 30 de julho de 2009

bragança 3



(quadro de raul diaz, "cubus", s/d)


pelo castelo te embarco de pedra
foge da linha se tens coração
evoca teu corpo de sereia sem mar
só pedra e sol, e norte e estio quente
carrega o teu lugar da árvore branca
mansa terra de adjectivos claros
só estou em ti como presença ausente

os sorrisos surgem no espinhaço
em que te afirmo, como suave, verde

tronco de vaca dócil junto à estrada

José Gil

quarta-feira, 15 de julho de 2009

bragança 2



(imagem do castelo de bragança, retirado daqui)


o castelo de bragança na neve ácida
da noite, os caretos e as máscaras da
ciberarte, uma grande nebulosa sob
os trabalhos de cobre e cestaria na
técnica do imaginário entre a erosão
e a solvência do acto criativo que
teimam em vão estabilizar junto aos
seios da cidade no limite de todos os
lados na volatilização, a entropia azul
dos danos colaterais onde as telas são
o simulacro num dos últimos respiradores

o próprio poema nas calçadas as especiarias
do pensamento – segura-te as âncoras da pedra
em continuidade e o volte face das ancas
a certeza do centro, a incerteza dos teus
subúrbios entre os lábios quentes de
alcatrão – a atmosfera do atelier a
poética sem limites na realidade
virtual como os cones brancos

José Gil

quinta-feira, 25 de junho de 2009

bragança 1



(imagem do castelo de bragança)


junto à estação ausente, o fim do mundo
onde me espera – lá onde pôs os pés
a minha amada, gosta do frio e ri, muitas
raízes do rio junto ao castelo onde brilha
a terra, eu cresci a imaginar-te um plano
de abertura e as chuvadas sonoras de Maio

um dia num copo e um clarinete Bragança
como a rosa púrpura onde viajei, no melhor
humor, pensando bem na grande mistura

só dois cafés e uma árvore no lugar das tílias
no parque natural de Montesinho, os seios
junto à porta ninho de cegonha, nós aldeia
no natal, havemos de subir-te encantados
na casa de xisto contrapostos como arbustos

José Gil

corpototal 17: caruma



(pintura de pierre boncompain, "platanes en provence", s/d)


a manhã pela janela sem dores no chão
a caruma como agulhas que caem de véu
do céu. constroem um texto - tapete
castanho para escrever com os pés
a relação do corpo com a terra, a pedra
do outro lado do silêncio o murmúrio
rural, o pó da mudança, outras janelas
pela manhã a face do sol, enlaço a caruma
tempestade do corpo total em construção
dentro do céu, a voz do chão, com o calor
da parede e sete janelas com sombras
que respiram da margem longamente
o rumor de um texto ao arrepio da folha

José Gil

domingo, 21 de junho de 2009

corpototal 16



(fotografia de bruce davidson, "time of change (boy at blackboard), 1965)


a arte na opacidade verde do mundo, eco
para aspirarmos a uma revelação total
no jardim suspenso dos lugares, um
pouco atrás um pouco à frente
como a plasticina do texto, quem
ouve ainda o silêncio muito para
além dos braços cruzados junto aos
punhos, vira a opacidade azul e branca
das casas do mundo onde a mesa é
o mundo, eco, aí o fogo das tuas ancas
no telhado da iluminada superfície
como a área negra suspensa no mar

vibra irmã das tintas – somos cores

no outro lado Agosto espera-nos na
superfície da substância dos seios
sobre a mesa da poesia partilhada

José Gil

terça-feira, 26 de maio de 2009

corpototal 15: frio solar



(pintura de erich heckel, "reclining woman", 1907)


“Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento.»

Herberto Helder

trago o musgo por toda a avenida do teu corpo
mulher correndo com os lírios, correndo
toda a noite, viva, fresca, para lá do céu
na mudança clara dos animais abertos e lindos
na imitação da natureza, havemos de voltar
no frio solar, vamos no decurso da centúria
seguinte, traz a crista que eu coloco, quase vernácula

no eco da palavra sorgo no período condal por
dentro das iluminuras onde se espelha o dom,
no território e seus recantos em degraus de musgo
manchas românticas levadas pela noite enevoadas
da rede social dos ossos, das artroses entre as pernas
pelos arbustos carnudos dos membros, musa surda

José Gil

sexta-feira, 22 de maio de 2009

corpototal 14



(pintura de ralph e. cahoon, "two on a swing", s/d)


“é pelo tacto que a fonte do amor se abre”
Manuel de Barros


como a pedra da fonte, toco-te bem junto
à flor do umbigo onde cresce a madrugada
da febre, sem frio, o mundo todo na árvore
do tacto, como um veneno prende o homem
ao animal na outra folha da madrugada

corre pela praia junto ao mar, ela dança
na fonte da canção ela vive debruçada, avança

já há pouco espaço entre os seios e os cones
da fibra tónica dos mamilos, vamos como
a pedra na fonte toca e diz o verso mais claro
à flor da canela a manhã na janela da praia

o sol da rocha entre irmãos, a face fresca no
céu claro, a água sentada no estilhaço da fonte
agulha de tacto local mesmo no debruçar do corpo

digo o outro lado do oceano que não vês ou vês
o que o piano das mãos evoca a terra quente
entre a palavra e o corpo total e azul, a mulher
pérola negra, boca vermelha rosa na espera

as palavras secas saltam tão rápido, no total

José Gil

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Mudam-se



(pintura de jim dine, "sharing the power", 2008)


ao Constantino

levanto-me devagar no lugar das
silvas onde nascem as novas palavras

gostaria de mudar o mundo levemente
porque gritei no lavabo da escada
o que é a memória sinto que não
sou eu, passo-me

mudam-se as casas erguidas nos punhos
a reforma agrária, os sem terra, como
falar deles no infinito desejo de ser
novamente eu, na pedra limpa no dia
de soltar as asas. A manhã traz as velas
o oceano é lindo, falas de distância e
eu choro entre dois mundos, que procurar
ainda nas pedras que não doa o virtual

José Gil

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Leiria



(fotografia de rodney smith, "don jumping over haystack", 1999)


"O teatro é a vida. (...) não podemos dizer que não haja diferença entre a vida e o teatro. (...) vamos ao teatro para reencontrar a vida mas se não existe nenhuma diferença entre a vida fora do teatro e a vida dentro do teatro, nesse caso o teatro não tem nenhum significado. (...) Mas se aceitamos que no teatro a vida é mais visível, mais legível que no exterior, verificamos que é ao mesmo tempo a mesma coisa e uma coisa um tanto diferente."

Peter Brook



essa pequena chama
que se ilumina e transmite
a palavra

como um eixo curvo no centro
do espaço
a poesia é a vida

em intensidade
na folha da rua

José Gil

sexta-feira, 8 de maio de 2009

sobre herberto hélder e josé félix



(pintura de ronald brooks kitaj, "chimera", 1980-1981)


"mesmo sem gente nenhuma que te ouça,
poema intrínseco dito a português e dentes,
a sangue desmanchado,
com a estria lírica a fervilhar de riscas
rudes, frescas, roucas,
tu que como que iluminas pela boca fora" (1)

herberto hélder

“o sangue que me escorre da boca lassa
é uma frase que atravessa os lábios
como a águia de bonelli no voo picado sobre a presa.
coagula a palavra na voz surda, absurda
como a dor no baixo ventre ─ do parto”

José Félix




rasga o sangue que te prende e ninguém vê
ao lugar mais alto de Guernica de picasso
da terra presa ao cavalo do cavalo
preso à luz e de universal português
este canto ibérico na linguagem
sem desenho, na mão sem corpo
sobre a areia, escrevo os répteis
e eles avançam como ratos cegos
na rota luz do esburacado casaco em
que me venço e avanço de arrasto

duas negras alvas, ou uma apenas na
dolorosa distância dos continentes
contra o suspiro que engole a lágrima
contra a língua a fronte o pulsar do sangue

quem sou eu que não desisto na pobreza
extrema do cérebro que se abre sobre a
folha sem nada nem flor nem semente
no crânio dócil das bolas encarnadas para
um pé que ganha o gosto de andar e os
dedos que se prendem à perna para correr

adere o osso ao músculo são quatro ou cinco
cruzados entre os ligamentos do texto, cruzados
os ligamentos das letras às palavras, das palavras
ao oco cérebro, dos sentidos ao poema, é este
o reino dos ratos e das ratas debaixo das mesas
no murmúrio das portas fechadas, sou português de
gosto na muralha mais seca dos sobreiros por dentro
das frases, escrevo como quem cega, sem obstáculos
onde me veja e perto do ar sem respirar corro

trago o polvo debaixo dos braços, as ventosas
junto às costelas, e o poema solto bem preso
ao lugar do papel em toda a batalha da hortelã dos
macios mortos entre dentes, falem, gritem digam não

pousada a palavra é um pacto entre o poeta que vence
a rusga e foge com o carro branco da luz e se espelha
na arriba da praia contra o veneno da vida rasteira

salta herói de papel destes dias de festas no centro da
coluna, onde ninguém chega com as chagas do canto

vibra cão que mordes o cavalo que transporta corpo
morto dentro do bosque dos nervos acesos, berra camaleão
no bruto roçar dos carros e das carretas do rumor

viva a roda única do calendário dos meses, escrevo como quem
sopra o último sopro ibérico, da gala da pedra sem música

bate pedra na pedra do crânio pelo fogo
escreve ou risca português com hálito de casa
sedentário preguiçoso como a cobra

abre a terra onde avanço com o sangue entre os dedos


José Gil

segunda-feira, 27 de abril de 2009

corpototal 13



(estatuetas de jean-baptiste pigalle, "statuettes of venus and mercury", ca. 1770)


a violência extrema tem um braço de cristal
e de sol, perde-se entre dois arco-íris brancos

olho para o céu e o que vejo: os teus seios de
rainha, eu serei o fugitivo sedoso da tua
erva crespa e negra entre dois oceanos

minha mão guardará o primeiro mel de
agosto, seremos três na leveza do edredon
branco como espargos de alegria fina
o corpo total, pedra azul e com cânticos

oiço-te na rede aérea e se o reino do gemido
toca a terra é de uma violência como o sabre
da fiel invenção do amor e do amado

ferve no lugar dos corpos só assim o corpo
será total, entre duas trincheiras com pólvora

deixarei meu braço no campo de batalha
meus dedos serão a arma mais transparente
do tronco sem obstáculos, tocarei ainda a língua.

José Gil

quarta-feira, 22 de abril de 2009

corpototal 12



(pintura de marc chagall, "roses and mimosa from nice & the cote d'azur", 1967)


onde dói o corpo, a pele rasgada, junto à
face, no outro lado da flora o pólen
constrói a partir dos pés a mais fiel
aprovação, o timbre das pernas abre aos
cristais do fogo no centro do orvalho, a face
ganha um passo é onde o ritmo das fotografias

é aqui a ondulação do corpo, o recado de
ouvido a ouvido, abre a porta onde dói a
flor da linda negra, a pele não tem sombra
fica transparente entre os dedos e os pés
como os óleos certeiros na pele do pólen e
do mel onde o orvalho desenha no céu

a serra dos candeeiros, no solo rasgado

josé gil

segunda-feira, 20 de abril de 2009

cabeça lisa 2



(fotografia de michal ronnen safdie, "btr 20 [trees]", s/d)


torna a turma outra rente à lâmina
e o amor meu na configuração recortada
da coluna, nos solidários do asfalto, bebo
a lágrima da dor da casa erguida ao luar
do vento, o tempo e o mar procura a vela
não saber que fazer onde esticar a mão

desejo o abraço o corpo reunido e uno
na flor mais lisa e suspensa, a liberdade
de sofrer, aí no bico do osso no músculo
no ar e no fogo tosca palavra para rolar outra

José Gil

cabeça lisa 1



(quadro de jean-baptiste-camille corot, "venus au bain", 1873-1874)


A cabeça lisa, sem cabelo nem sobrancelhas
a face da aurora azul como a parede azul
única do teu corpo nu longe das paredes
brancas, as mãos nos seios e nos mamilos
um pouco de mel, as janelas todas abertas
ao sol do dia de primavera no Marvão, apenas
a música verde das árvores a fraternidade
singular, a aurora é um anjo que te transporta
na sensação de voo do azul como um eixo,um
jacto da cor negra do teu colo, vives e viverás
entre a parede branca e a azul no quarto quase
redondo da solidão, choras ainda o pânico da
doença fulminante – a ânsia – roxo claro nas
paredes inclinadas no casulo dos cabelos negros

vives ainda o canal dos seios da angústia, salvas-te

José Gil

sexta-feira, 17 de abril de 2009

corpototal 11



(fotogradia de denny moers, "untitled", s/d)


na vazia maré dos lábios
rente aos mamilos, no corpo
de água, na serra mãe,uiva o
teu corpo de loba e o vento
volumosa serra de sono, o teu
ventre em viagem, ofegante
de sinais, dança na mesa sob a
esplanada entre sentir e ressentir
até à fenda, ao intervalo abrindo
uma transparência real, lâmpada
aberta abaixo do umbigo luz e fogo
bem na relva de todo o possível ser

balança e balança ao nível da terra

José Gil

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Crash 52



(pintura de theodore earl butler, "cliff-normandy", s/d)


A Mar
e Constantino

cristaliza na linha do horizonte a lágrima
o rio das ondas vivas, escrevo como quem
regressa, o barco junto à caneta, a tinta dos
dedos. perco a folha que voa com a carne
do poema, choro onde o rio trava o dia

o corpo limpo na janela da noite, soluço
um novo gosto na linha das letras entre o
ar e a água – preciso da concha de um sorriso
na linha cristalizada a negro, pretinha lenta
como as canções do conjunto do oceano
matriz romântica plenamente brava


José Gil

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Crash 51



(pintura de balthasar van der ast, "a still-life of fruit, flowers and shells, with a lizard, caterpillar and dragonfly", 1630-1635)


espessa a passagem do teu corpo entre os
documentos
delicados como aves entre as pernas e a lua, o
lugarejo

o céu já não faz de capa a noite numa escrita
sem linguagem
envelhece a natureza não o sol, minhas tónicas,
meus saltos
a música de um andar sem espelho, saber querer,
o corpo voa
para escrever espaço aberto, insisto nas
alternativas como
se o andar de todos fosse limpo, na terra
limpa, outra sombra embeleza os dedos no chão
de granito pula a bola da
consciência, tudo nos une à secura

e se procurar o outro limite, ir para lá dos
pés, saltar

eu sou o salto

o teu corpo no meu colo e o chá verde, oiço as
bolachas de mel e amêndoa sinto os teus mamilos
para lá do vidro e fico


José Gil

quarta-feira, 25 de março de 2009

Na Várzea de Meu Pai



(pintura de jock macinnes, "beached boats - algarve", s/d)


nascemos no coiro da burra, no lugar dos santos
entre faro e s. brás de alportel onde escrevemos
com alfarroba, o meu pai não sabia que eu ainda
escreveria este poema em ambiente de festa
comercial como este dia

somos irmãos nesta tarefa de levanta-te e anda
o pó do vazio, a janela entre os olhos e as mãos

guardo os vidrinhos da porta da Cinco de Outubro
à Estrada de Olhão enlaço-te em cada árvore da
grande avenida, bebo a água como as redes sociais

e o piano? Toca ainda em mãos livres para a
linguagem da necessidade, quero, sei, sou feliz
onde entendo o corpo novo e o ar que dele suspende

baloiça palavra para cairmos novamente de mão dada
como se o alcatrão sujo espelha o mar do Algarve
em cada várzea está o teu berço desde esse momento


José Gil

terça-feira, 24 de março de 2009

Árvore Branca



(pintura de antoine vollon, "view of a stream at sunset", circa 1874)


gostava de roer a caixa de madeira negra
abrir o eixo norte do tempo sensível
não restar nada, apenas o corpo bravo
avançando junto aos véus, é uma alusão
de prazer, um rio para articular em ti
os dedos onde floresce a pequena floresta
negra, saberemos o sabor dos coentros de
março, através das folhas só a língua
na cabeça das pessoas, vamos, avanço
na lage sobre a caixa, é o corpo que treme
longa e ampla anca, tronco sem obstáculo

canto e volto a cantar, uma árvore branca

José Gil

domingo, 22 de março de 2009

Corpototal 10



(fotografia de harno minkkinen, "kivisaari, hirvensalmi", 2007)


ao Américo

a cabeça como uma máquina que nos ataca
numa gruta, para respirar a sombra é este
o medo, o seu reino de sombras e jogos

volta a pedra como raiz da árvore no fundo
do silêncio

o jardim das amendoeiras entre as ancas
o teu olhar aparente que solta como uma
vela, já nem consigo chorar, é como um
filme, a vida passa

onde ainda o medo no lugar das mãos
calma branca energia vital universal
sou o teu canal, acredita nesta luz
súbita acredita na água


José Gil

sexta-feira, 20 de março de 2009

Dança



(fotografia de melissa ann pinney, "kanaha girl, maui", 2006)


ao Jorge

gosto de sentir os tendões nos pés os músculos na água do oceano – a pele esticada até ao suor na frescura das praias. tenho um enorme prazer em abrir os músculos. há segredos na pele. que ficam para lá dos estímulos dos neurónios ou da sabedoria da cabeça. navego por eles quando chamam nadar e eu me preocupo em aprender a sua conjugação no poema, no texto a textura

gosto de romper a roupa do tecelão e colocá-la no corpo como os piercings e os anéis.
marcam outros mundos, a pele estica as emoções sobre a água e as suas borrachas

dança comigo, o horizonte da areia não tem fim, é como a musica biológica.
um limiar de frescura no paredão, o andar descalço e sentir um pouco de tudo
para lá da pedra com água salgada.

gosto de rasgar os tendões nas pernas lisas até às ancas soltas

José Gil

quarta-feira, 18 de março de 2009

Florida



(fotografia de arno r. minkkinen, "self-portrait with sandy, tuscany", 1995)


dói a dor florida e me diz
veste o país de palavras
com corações e letras

nada fica para lá do caos
esta paixão que em mim se
entranha como uma borboleta
musical e voo permanente

a chuva era ela o sol e a lua da
tua pele. em frente ninguém
consegue reagir à tentação

a parede surda e invisível
nua, pobre, o país dos muros

vamos treme o lábio, rápido


José Gil

Incontinência



(fotografia de duane michals, "cavafy's journal" (2003-2005)


que sinal podemos estar todos perante uma incontinência
verbal – as aves constroem casas, as batas das crianças
são o sinal de alarme de ir a correr – a tardinha partiu
deixo o corpo rolar nas ondas é Março na poeira
dos caminhos – ouço aviões e comboios sem néon
uma estrutura suporte própria e direccionada

as crianças de encarnado - vivo aos quadradinhos -
correm negras na savana, canto-te a última casa
atravesso as pontes sobre as auto-estradas não
evasivas de neuro modulação ardem-me todas as
imagens nunca mais terei choques medulares
de uma tempestade a outra tempestade, perco
todos os caminhos - voei de mim a mim no fim de
linha – a tardinha está perto no corpo das areias frias
incisões na memória – mínimas – cintilas como a
minha frescura por urgência dos sensores

crio rupturas na memória – há uma ampliação
do regresso onde podia evitar e acalmar os músculos
um botoque de suspiros na alma, choramos todos
onde o lume procura o alarme dos novos vidros

pressinto-te leitor, cruzamo-nos, não ouço pássaros
muitas palavras têm um destino em comum, cristais,
onde vou inventar o fogo do tempo, dança nua na
estrada dos versos, tudo aberto amor até ao sol

José Gil

corpototal 9



(pintura de maurice esnault, "still life", s/d)


deita-me na caruma branca do meu magusto
folhas secas do teu lugar de amor, acendalha
da minha palavra sem chave do umbigo, escada
da oralidade da folha seca e fresca em forma de
flecha imperiosa

arrumo os punhos na mesa junto à claridade
espero-te namorada negra entre a pele de seda
e os morangos vermelhos do açúcar café

José Gil

terça-feira, 17 de março de 2009

corpototal 8



(escultura de albert bartholomé, "young girl plaiting hair", circa 1906)


onde o vento bate a letra na pedra
a pedra do seio em mármore negro
o óleo breve das letras do número
apenas a saudade que me prende

vibro entre o corpo e a sala
antiga memória no lombo do
aroma, bravo o silêncio do corpo
no corpo ao vento corre o cabelo

em redor dos mamilos a mão direita
bem assim inteira como a laranja e
o morango neste nascer da primavera

José Gil

corpototal 7



(pintura de fernand puigaudeau, "bretonnes aux lampions à pont aven", s/d)


ao Joaquim Evónio e onelight

onde jogo o jogo da janela
a palavra na janela bem aberta
um limão em choque com a
memória, apenas o jogo

uma flor na manta incompleta
dos teus cabelinhos crespos e
uma rosa e outra rosa nos lábios

evolui a marcha até à cidade
apenas a tua canção heróica
ouve-se ao longe a canção querida

José Gil

quinta-feira, 12 de março de 2009

corpototal 6



(pintura de henri fantin-latour, "quatre pêches sur une table", 1874)


uma tangerina de cumplicidade, toma o gomo
o quase antes que o limite, estica bem a corda
o pão e as uvas, guardo o sabor da memória da
manteiga, terrificada entre as bolachas da mentira
como um cinema, recordo a sépia o limite dos seios
as personagens, saberás tudo o que amo na ardósia

antiga lembrança dói os dedos moços no doce de
tomate – o corpo total e roliço como as aves quentes
a terra curta para o baile, roda na tua roda.

josé gil

quarta-feira, 4 de março de 2009

corpototal 5



(quadro de alexandre cabanel)


“Quando digo "meu Deus" ,
afirmo a propriedade.
Há mil deuses pessoais
em nichos da cidade”

Carlos Drumond de Andrade


Verga a varinha da senhora pelas velas
Verga o fogo na varinha do corpo aberto
Digo para dizer a areia onde o poema se
deite – é um lagar de sol e azeite, o som
dorme devagar inalteradamente, só e só

Voa rente ao mar a planar a última dormida
das gaivotas com palavras e poetas surdos
tronco, raiz descalça fonte onde verga
torta a alma do fogo reconstrói outro
silêncio – só corpo com corpo só

José Gil

corpototal 4



(pintura de charles emile auguste carolus-duran, "après la nage", 1899)


voa na praça d’ela no colo branco
escrevo-te na tua “inacabável volúpia”
entrelaço dedos e poemas como verga
fina, beijo os dedos junto à fonte
os dos pés que conhecem melhor os
mapas limpos – procuro o corpo de olho
a olho – o que quer o som na breve chapa

cerradamente coloco os dentes onde as
sombras lêem – folhas arcos linguagem
sem imagem – quem pinta branco, quem
pinta preto ou quase o grafismo da penumbra
se afirma, muito rentes os cabelinhos, minhas
palavras, meus sonhos, unidade do silêncio

José Gil