quinta-feira, 25 de março de 2010

corpototal 28



(fotografia de jeff bark, "woodpecker (huffers)", 2007)


no vinho não provado na folha branca do teu navio
bem tinto bem negra a luz em meu redor

e agora tigresa nas emoções que dão vida
prepara-te para matar Deus como um azulejo
de cristal diz-me ainda que Deus nos perdoaria
no sonho que ele hoje veio no meu choro de alma aberta
a bater no cristal da tua voz no fado do destino ao qual
me prendo sem vontade de chover outra luz de choro

nesta tristeza que me afunda como amargura o meu corpo
na mesa sinto que ainda sou pescador onde a praia já não
me interessa procuro ainda outra palavra nos seios do coração

José Gil

quarta-feira, 24 de março de 2010

corpototal 27



(fotografia de chuck close, "red wine grapes 1", 2001)


(ao meu pai)



o dia fica livre como um sonho, muito lindo
como a casa sem pedra junto aos olhos, uma flor
no limite do possível, outro sono, a visão do corpo

poderia a alma saltar como uma folha de vento
outra informação só possível noutros casos
a flor a meio da manhã não significa nada
nas casas modernas os anjos são cegos e unem
as cabeças junto aos ombros como um grito de
lágrimas cruzadas nesta estrada por um novo voo

José Gil

terça-feira, 9 de março de 2010

corpototal 26



(pintura de marlene dumas, "hiroshima mon amour", 2008)


(a Hiroshima e Nagasaki)



Gostava de dizer apenas as palavras sem o filamento
cortante do significado 6 e 9 de Agosto 1945, a árvore
branca ficou negra e todo o corpo ganhou a cor do
alcatrão, Hiroshima e Nagasaki como o outro lado
do limão, a destruição feita rocha da tormenta dia a
dia com o dedo da memória sobre a pele queimada

diria apenas o vento no lugar da casa e a paz na bandeira

José Gil

domingo, 7 de março de 2010

corpototal 25



(desenho de shelley jackson, "fingers", 1997)


a ferida aberta no litoral da mão
onde a rocha transparente transporta
a sombra do corpo rasante ao rio

viva a secante da sílaba
viva a vertical à ferida
viva o dedo da sua sombra
do peito aberta à roda do
colo negro

José Gil

sexta-feira, 5 de março de 2010

corpototal 24



(desenho de shelley jackson, "stomach", 1997)


Mulher azul de cabelo vermelho
Junto, bem junto à fonte do leite
Onde o umbigo se cobre de chocolate

te espero para cá dos oceanos longínquos
para cá dos paquetes, onde nasce o poente

o barulho das grandes cidades acalma
quando passas, todos sabem que vens
de longe de histórias que lhes inventaram
na cerca inclinada sobre a estrada de terra
batida ao lado da fonte onde bebes a água e
o leite fresco do verão intenso, falas do
poema mudo, na cidade velha, dizes fogo
e o poema foge de um lado ao outro do corpo
na agrimensura de cada célula capital e azul

José Gil