quarta-feira, 6 de outubro de 2010



(pintura de chris acheson, "vandolls", 2007)

a actriz avança no nevoeiro que se levanta
traz a sua luz de glória perde-se no “não
se paga. não se paga”, avança como um navio
no cais, grande e leve para navegar do guincho
ao ginjal. a actriz viaja no meu país de
remendos e de pedras, meu país sem água
e sem sede e sem fé – tudo dorme na flor
da inveja e do ciúme, o país não pode produzir
a beleza nem a sua dor fina. dobra irmão o bico
público, à claridade imunda dos parasitas
mediáticos da verdade absoluta. “deve ser assim”!
"assim não”. todos se sentam no seu banquinho de
excelências e vinho. meu país indeferido e infinito
que levanta a poeira para lá da língua de todo o
mundo. e nada. sintra é maravilhosa na primavera.
como o Algarve

a actriz morreu
no total desprezo ela ainda avança no palco dos
que ficam, pequenos navios ao largo do tejo
barcaças. se eles andam eu já vou neles
adeus amigos, pátria dos amigos, enfia-me
a faca pelas costas como uma ousadia contra o
esquecimento. avanço já nos ribeiros do meu amor
pequenino, vê como voo na pátria doente da erva
daninha e dos cigarros amarelos

a casa abandonada para novos esquecimentos

esqueço-me de mim no navio que deixa lisboa, a capital
o sol nasce ainda devagar chega a actriz do “não se pode
exterminá-lo” meu país ao pé do intermarché, os passeios
cheios de carros e de cegos. bonita é a fuzeta, partiu-se o
aduelo, a moldura da porta aberta.

não sou escravo do poema. trabalho - o há três anos
no dia em que sobra o pão a floresta da esteva
a flor da estepe, o teu figo, pela flor de cada
fruto meio fechado basta-me a flor do teu mamilo
adoro a minha pátria dos artistas doces e das
cobras – compõe casas simples e pequeninas
o milagre da pátria está para lá da alma certa
entra josé
sai josé
o tempo avança


José Gil

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