segunda-feira, 28 de junho de 2010

cedro



(quadro de ed douglas, "renaissance bathers", s/d)


o cedro no líbano a curva ascendente do mundo claro
um dia seremos serenos quando passarmos as portas

guardo as palavras no solo claro da rua, como o sol
sobre a terra no invento do silêncio, vivo, respiro um
pouco de areia sobre a platina do dia o teu corpo

terra pura, terra sagrada, um poente de Deus nas
quatro alas, vibram os quatro leitores das alas é o
mesmo livro ou outro que é o mesmo do outro

a palmeira baixa a sombra e cresce vigorosa

não sei afinal nada

meu pai dizia-me
viaja

José Gil

segunda-feira, 21 de junho de 2010

sete a zero



(fotografia da vitória de portugal, retirada daqui)


vi-te, ó pretendida vitória
como o diamante, oiço-te em
todas as cidades e até nas
árvores – ouvi-te num país
sofrido – cerceastes o mais
pobre, despido ficará
cristiano como o leão da
festa com um pé e uma
cabeça bem clara

cavalos e serpentes desenho
em toda a relva até à raiz do
canto que inicia sempre a
folha de zinco, o espelho
tiago será o outro nome que
marca a voz crua

surgem imagens verdes do arbusto
da água – quero-te rio
inaudível, a minha cabeça
sonha – o que respira
unânime Queirós

ele corre áfrica como a alba
ele é o percurso que nos fala
outros nomes da cratera louca
sobretudo o futebol como o
cristal da sua arte

José Gil

sexta-feira, 11 de junho de 2010

rialva



(quadro de mary bourke, "island neighbors", s/d)


sinto o leve peso das telhas da água
a casa está nua e vazia – pode ser
da minha cegueira, onde as crianças
brincam com os patos e os cisnes do
jardim real, correm nos corações abertos
letra a letra sempre dita antes do
primeiro sono e uma breve brisa na
janela destroçada e sem vidro

chegarei a belver – rialva a noite
deitada no pasto junto às lojas
voo para o outro lado do mundo

muito calor de girassóis primeiro
amor na pata negra os dedos ligados

josé gil

domingo, 6 de junho de 2010

poema para carlos roldan



(fotografia de bailey davidson, "nature prevails", 1997)


O corvo ruivo e negro na luz do calor das castas do vinho
A voz dada às palavras já rosadas, amo os seus cones negros
Já não chego a partir, os corpos já se conhecem como o vento
Livre no azul claro do luar

Voai na direcção do jardim da casa
Segura a mão que segura o sangue
Detém os teus dedos desesperados

És já a cotovia pela manhã, uma casa
branca, diria, a casa redonda como um eixo
um corpo no outro corpo, o sol da vida

o terraço da casa é sobre o rio
deixa passar a barca
todos iremos por este campo

José Gil

sexta-feira, 4 de junho de 2010

tulha



(fotografia de pam moxley, "chase", s/d)


Deixou-me sem carpir e arregalar os cabelos
Atiro as palavras como rasoiros de tulha
Não sei para quem – as letras vão
Reforçadas de pez - ando pelos caminhos
É feriado, senhora da luz que nos alumie
Voam os pássaros por baixo dela em ascensão

Completar um santo é uma insignificante
Construção de um livro, passam-se horas
Pois se a largaram não se perdeu nada

Na tulha o cavalo de asas foi selado da
Melhor cernelha, despede-se como uma
Flecha aberta duma galopada subiu
às costas do céu, lá onde vive outra
Geração – a globalização acabou

José Gil

quarta-feira, 2 de junho de 2010

poema de bambu



(fotografia de paul caponigro, "glencar falls, co. sligo, eire", 1967)


deixa amor a mão caminhar
como um diamante de carne
muitas vozes juntas
para que algo aconteça quando
tudo fica de coração incompleto

o ar está cada vez mais leve
o amanhã é um desejo e por isso demora
Mar eu queria ser o mar e chorar como ele
bem dito o céu e o fado

minha é apenas a ave
e o ser dela as lágrimas
das asas seguram o azul ao
céu.


José Gil