quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Breve Comentário sobre Fractura Possível de José Gil: Cissa de Oliveira




O poeta tem fome. Fome de poesia. Assim o diz em "Cidade 103" quando escreve: "caminho com ele (poema) e ardo de fome calcando a relva e o basalto das mãos de pedra". O autor , ao tratar a poesia enquanto alimento - certamente para a alma -, diz: "a nossa própria cidade não suporta o bacalhau seco ao sol" .



Há na poesia de José Gil qualquer coisa que não deve ser quebrada, talvez nem pela interpretação do leitor. Gil há que ser lido, preferencialmente, com a poesia das sensações. A própria diagramação de alguns poemas aponta para este fato:

"os meus versos faltam-me os versos

que partem



e Tenho fome

Tenho fome"



Às vezes mais crítico e direto, como em "Memorial do Iraque": "era uma vez um país/ bem regado de sangue,/ fiquemos enterrados/ da cabeça aos pés/ pela nossa cobardia " noutras, com artimanhas de poeta desafiador "...só acredito num Deus que dança / e sabe dançar e encanta numa / pista de gelo ou alcatrão" ... "acredito num Deus infinito/ numa casa antiga, comigo/ e contigo". Além disto, com José Gil vamos descobrindo que a poesia embora doa, e dói porque é vida, é essencial como "a luz que esconde a escuridão (in: "Poema II").



Enquanto leitores devemos nos permitir à liberdade, e ao universo que a poesia de Gil vai descortinando. Assim, libertos para a leitura – e para a própria poesia - podemos ser tal qual ele cita em "As crianças": "as crianças irrealizam a poesia", porque em Fractura Possível a poesia é, essencialmente para ser sentida. Mas se sentida enquanto alimento, poderia também ser comida? Em consonância com Natália Correia, em "A Defesa do Poeta", "ó subalimentados do sonho, a poesia é para comer", sim.



Fractura Possível é livro denso, e concentrada é a poesia de Gil.



É para ser lido devagar. Relido. Portanto estas, apenas algumas breves impressões que, nem de longe, contemplam a grandeza dos escritos do poeta.



Cissa de Oliveira

Fractura Possível - José Gil
Estúdios Edium Editores

Porto – 2008

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