sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Crash 1



(quadro de norman ackroyd, "brancaster roads", s/d)


dei à obra da casa um pouco de mim
a reviravolta do coração dos quartos
tudo começa na cama cega dos animais
distintos,

dei um beijo de sol a cada parede em cinzas
onde gelam as pilhas de livros e se escreve
o amor que vai chegar no verão

dei em mim um descuido não saberei mais
nada antes do estio apenas os móveis afastados
da solidão azul e branca

dei-me amanhã a crise dos que sabem e dos
que choram, as cadeiras de Maciel no ar em
carrocel, os líquidos das velas entre janelas

dei a nova prece a proximidade do eixo do mar
como o frio de Dezembro na Estremadura
S. Martinho do Porto e o sol verde nas ondas.

dei-me o salto de uma exposição para a casa
serei apenas o burro o animal inteligente que
vive comigo, bravo nos seus passos redondos
e obedientes com a sombra e a luz

dei-me a lua dos teus braços negros e brilhantes.
Chegamos á estação de Leiria, o peso das malas
novamente, livros e livros , só nos resta a praia

dei-me a saudade da areia – os olhos ficaram brancos -
o olhar ainda no branco movimento da espuma dos dias
traz ovos, colheres, ficou tudo branco à minha volta
crash só o nevoeiro é negro nas ciladas
como voltar atrás.

dei-me o conhecimento, o mapa apenas vos dá
caminhos abstractos, canta comigo junto á lareira
o trem chegou a fronteira sensível do manual escolar

dei-me um lírio branco para passar nos olhos
longe vou dormir e voar sobre o mar aflito

José Gil

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